Das bombas que caíram sobre os céus do Vietnã e do Afeganistão aos gritos das pessoas nas ruas de Santiago e Caracas clamando por verdadeira democracia. Do olhar desesperado dos agricultores brasileiros, vítimas de políticas neocoloniais, aos rostos cansados daqueles sobrecarregados por sanções e pobreza nas ruas de Teerã e Bagdá... o nome dos EUA sempre fez ressoar interferência, golpe de estado e a derrocada da soberania nacional nesses territórios.
É esta a nação que afirma liderar o mundo em direção à liberdade e à democracia?
De acordo com um relatório oficial do Congresso dos EUA, os Estados Unidos realizaram mais de 250 intervenções militares formais em outros países desde 1991. Esse número não inclui ações secretas, operações especiais e intervenções domésticas.
Por mais de sete décadas, os Estados Unidos se posicionaram como a força orientadora e guardiã da ordem global.
Alegando defender a democracia e os direitos humanos, desempenharam o papel de polícia global, desde guerras diretas no Vietnã e Afeganistão até intervenções secretas no Brasil, Irã e Guatemala.
No entanto, esse intervencionismo, muitas vezes resultando na imposição de regimes opressores e golpes militares, frequentemente deixou para trás instabilidade, pobreza e violência. O golpe contra o governo legítimo do Brasil em 1964 e o apoio a governos militares na América Latina são apenas exemplos de uma abordagem que, ao invés de estabilizar, aprofundou crises.
Um documento confidencial revela que o embaixador Gordon coordenou com autoridades dos EUA o envio secreto de armas apenas um dia antes do golpe de 1964 no Brasil. Apesar de estar ciente do risco de a participação dos EUA no golpe ser exposta, ele considerou esse risco insignificante em comparação aos potenciais benefícios.
Ainda assim, os Estados Unidos, que afirmam agir como a polícia global, enfrentam inúmeras crises internas. Desde a manhã de 7 de janeiro de 2025, as chamas do maior incêndio florestal do sul da Califórnia consumiram centenas de milhares de hectares, deslocando milhares de famílias. Relatórios indicam falta de recursos para enfrentar esse desastre, destacando a incapacidade das autoridades locais e o fracasso geral da governança em lidar com crises ambientais.
Enquanto isso, de acordo com dados econômicos de 2024, mais de 37 milhões de pessoas ainda vivem abaixo da linha absoluta de pobreza nos Estados Unidos, e o crescimento econômico para as classes de baixa renda praticamente estagnou.
O sistema econômico dos EUA, ao longo dos últimos 40 anos, efetivamente trabalhou em favor dos ricos, mantendo as classes de baixa renda presas na pobreza. Esta é uma "catástrofe social" em que o crescimento econômico beneficiou quase exclusivamente os indivíduos mais ricos.
Essa contradição gritante levanta uma questão profunda: como uma nação lutando contra inúmeras crises internas pode reivindicar autoridade para reformar e gerenciar o mundo? Essas políticas intervencionistas não estão apenas levando ao fracasso interno dos EUA, mas também contribuindo para a instabilidade global?
A intervenção dos EUA no golpe de 1964 no Brasil, junto com suas ações no Irã, Vietnã, Iraque e Afeganistão, revela um padrão claro: políticas intervencionistas justificadas sob slogans como "estabelecer estabilidade", "conter inimigos" e "espalhar democracia" resultaram, na prática, em nada além de instabilidade local, pobreza, destruição e o enfraquecimento interno do poder americano.
No Brasil, os esforços dos EUA para "conter o comunismo" e afirmar controle econômico sobre a região não levaram à estabilidade econômica e política, mas ao reforço da militarização e repressão.
Isso resultou em décadas de desigualdade social, pobreza e crises econômicas generalizadas. O governo apoiado pelos EUA não apenas esmagou as liberdades civis, mas também vinculou a economia a corporações multinacionais, comprometendo o desenvolvimento sustentável e soberano.
Em escala global, essas políticas trouxeram nada além de ciclos intensificados de desconfiança e hostilidade em relação a Washington. Pessoas ao redor do mundo, enquanto suportam as consequências desastrosas dessas ações em suas vidas diárias, tornaram-se cada vez mais desiludidas com a retórica pró-democracia dos EUA, vendo-a como um símbolo do abismo entre palavras e ações.
Por outro lado, os próprios Estados Unidos arcaram com imensos custos militares e econômicos, além de crises internas, como resultado dessas intervenções. Os bilhões gastos em operações militares e golpes no exterior poderiam ter sido alocados para enfrentar questões urgentes, como mudanças climáticas, desigualdade econômica e melhoria da infraestrutura.
O resultado final é que, internamente, milhões ainda vivem abaixo da linha da pobreza, as taxas de pessoas sem-teto estão aumentando, e crises ambientais como os devastadores incêndios florestais na Califórnia servem como símbolos marcantes da incapacidade do país de gerenciar efetivamente seus próprios assuntos domésticos.
Com a reeleição de Donald Trump na corrida presidencial de 2024 e seu retorno à Casa Branca em janeiro de 2025, suas políticas demonstraram novamente seu impacto direto tanto no mundo quanto nos Estados Unidos.
Trump, ainda defendendo seu slogan "America First", parece não apenas falhar em resolver os inúmeros desafios domésticos enfrentados pelos EUA, mas também agravar crises já existentes.
Essa situação deixou tanto o povo americano quanto a comunidade global enfrentando crises mais profundas e voláteis, resultado de suas decisões políticas míopes e egocêntricas.
Com a vitória de Donald Trump na eleição presidencial de 2024 e seu retorno à Casa Branca, tanto os Estados Unidos quanto o mundo entraram em uma era ainda mais incerta. Oficialmente prestes a iniciar seu segundo mandato em janeiro de 2025, Trump prometeu em seus discursos reviver o que chama de "políticas fracassadas do passado" e restaurar o "poder perdido" da América, focando novamente no slogan "America First".
No entanto, a experiência de seu primeiro mandato de quatro anos (2016–2020) sugere que essas promessas frequentemente levaram ao aprofundamento das crises domésticas nos EUA, ao aumento das tensões internacionais e ao sofrimento ampliado das populações ao redor do mundo.
O primeiro mandato de Trump demonstrou que suas políticas centradas em slogans e em sua personalidade não apenas falharam em estabelecer estabilidade internacional, mas também agravaram desafios internos nos Estados Unidos. Ao se retirar de acordos internacionais importantes, como o Acordo Nuclear com o Irã (JCPOA) e o Acordo de Paris sobre o Clima, Trump efetivamente distanciou os EUA de seu papel como "líder global" e abriu caminho para a proliferação de várias crises.
Sanções severas ao Irã e à Venezuela, em vez de conter ameaças regionais, levaram a uma instabilidade econômica e humanitária sem precedentes nessas nações, além de impactar negativamente a economia global.
Essas políticas não apenas prejudicaram outros países, mas também tiveram impacto direto nos próprios Estados Unidos. Retirar-se do Acordo de Paris sobre o Clima e cortar os orçamentos de agências ambientais durante o governo Trump exacerbou a crise climática dentro dos EUA.
O retorno de Trump à Casa Branca, em um momento em que os Estados Unidos enfrentam inúmeras crises domésticas e desafios globais complexos, levanta uma questão crítica: os EUA ainda podem reivindicar a liderança global, ou essas ambições acabarão custando o colapso interno?
Os devastadores incêndios florestais em Los Angeles servem como uma imagem simbólica do estado atual da América: uma nação que gastou bilhões em guerras e golpes no exterior, mas luta para gerenciar sua própria infraestrutura. Trump prometeu em seus discursos tornar a América grande novamente, mas, se essa trajetória continuar, a "grandeza" da América pode se consumir nas chamas de políticas internas e internacionais equivocadas.
Faraz Sabahi é graduado em estudos avançados em ciências estratégicas - produtor da Rádio e Televisão do Irã, produzindo mais de 500 episódios de programas nas áreas política, social e cultural, além de membro do Centro de Análise Doutrinária Yaghin.