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Diálogos de Fé: por um caminhar comprometido com um novo amanhã

Estamos nós aqui, três sacerdotes negros - um babalorixá, um padre e um pastor - para afirmar a necessidade de que um outro mundo não só é possível, mas extremamente urgente

Ronilso Pacheco, Pai Dário e Padre Gegê.Créditos: Divulgação
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Em tempos de violências diárias contra as religiões de matriz africana, de crescimento de uma noção de fé cristã racista, colonizadora, fundamentalista que se pretende universal e o único horizonte religioso válido. Diante de um contexto onde o racismo religioso e a intolerância religiosa é mobilizada como ferramenta política institucional e local de opressão das diferenças culturais, religiosas e sociais. 

Estamos nós aqui, três sacerdotes negros - um babalorixá, um padre e um pastor - para afirmar a necessidade de que um outro mundo não só é possível, mas extremamente urgente. É preciso deixar morrer as leituras sobre o mundo que incentivam a demonização da diferença e permitir que outros modos de vida desabrochem como que as ervas sagradas de Ossaim que curam, revigora e dignifica indistintamente.  

Liberdade Religiosa é questão de Direitos Humanos! Desse modo, independente de nossa fé ou de nossa não crença, todas, todes e todos, somos chamados a construir uma sociedade onde as diferenças de todo tipo possam coexistir livremente. Se historicamente as comunidades de Terreiros sempre foram as mais perseguidas e violentadas, hoje também há setores do cristianismo vítimas de um projeto político com verniz religioso que se sustenta na lei do poder econômico e do fuzil. Por isso, afirmamos que a intolerância religiosa é uma das maiores ameaças à construção de uma sociedade plural, igualitária e pacífica. Caminhamos para garantir o direito à coexistência, à democracia e ao Estado laico.

Diálogos inter-religiosos são um passo fundamental na construção de uma sociedade efetivamente respeitosa, na qual o direito à liberdade religiosa não seja apenas uma letra morta da lei ou um argumento para demonizar e perseguir os terreiros. Mas um exercício diário comprometido com o bem viver e o fim das opressões.

Exu ensina que o mundo é para todas as pessoas e seres que o habitam. Nos terreiros aprendemos a conviver com as diferenças.

A respeitá-las em suas particularidades. Nossos terreiros estão sempre abertos para acolher, trocar e celebrar a vida integralmente. De Exu a Oxalá, todas as partes da natureza tem sua importância. Exatamente nos territórios mais perseguidos e agredidos que todas as experiências de fé e não fé são recebidas com respeito e zelo a partir de suas matrizes religiosas. 

Nesses caminhos de diálogo, o papado de Francisco depõe contra um tipo de Igreja arrogante, fechada em si mesma e dona da verdade. Esse tipo de Igreja não caminha. O poder, antes de matar o coração, aprisiona os pés. Nas palavras do Papa, "não há paz sem liberdade religiosa". É nessa paixão pelos outros (próximos e distantes) que Francisco situa a noção de "Igreja em saída". Só uma "Igreja em saída" pode assumir o compromisso de caminhar.

É  preciso que o respeito à diversidade religiosa seja um princípio de vida inegociável sentido e vivido desde cada templo cristão, de cada púlpito, homilia e pregação. Que a gente possa compartilhar de uma experiência de fé capaz de reconhecer intimamente cada ser no mundo como morada de Orixá ou como expressão do Espírito Santo. Isto é, uma religiosidade aberta ao encontro com o diferente, entendendo o outro como possibilidade de expansão ao invés da destruição. É sobre compreender o divino que habita em nós e que se manifesta de forma plural, dinâmica e viva como a própria vida em sua plenitude. 

A Caminhada pela Liberdade Religiosa é uma experiência que aponta para uma unidade religiosa respeitando a diversidade existente. Um caminhar na direção oposta às desigualdades raciais, sociais, culturais, políticas e econômicas. Portanto, um caminhar que tem como horizonte um novo sentido de mundo, onde as diversas formas de expressar a fé, viver sua religião, de crer em um Ser Supremo e de não crer sejam festejadas na sua diferença igualmente! 

No caminhar para o alvorecer de um novo amanhã, convidamos todas, todos e todes a estarem conosco, dia 15/09, na 17° Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, na Orla de Copacabana/RJ, Posto 5, a partir de 10h.

Axé! Amém! 

*Pai Dário é babalorixá do Ilê Axé Oní?ègùn, jongueiro, artista, coreógrafo, educador, gay e cria de um quilombo urbano chamado favela da Serrinha, em Madureira. Sua trajetória no terreiro, na arte, cultura e na educação é marcada pela luta política por dignidade para os povos de terreiro, população negra, de favela e LGBTQIA+. É co-organizador do livro Pedagogia do Axé: saberes, lutas e resistência dos povos de terreiro (2024). 

** Padre Gegê é pároco na Paróquia Santa Bernadete, psicólogo, mestre em Teologia pela PUC-Rio e Doutor em Ciência da Religião pela PUC-SP. É especialista em História da África e do Negro no Brasil pela Universidade Cândido Mendes. É militante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR).

*** Pastor Ronilso Pacheco é teólogo e pastor Batista. Mestre em Religião e Sociedade pelo Union Theological Seminary, da Universidade de Columbia. Ativista dos temas de direitos humanos, raça e democracia, integra a direção do Instituto de Estudos da Religião (ISER). É autor de Ocupar, resistir, subverter (2016) e Teologia Negra (2024).