VENEZUELA

Democracia é respeitar a soberania do voto popular - Por Euzamara de Carvalho

A defesa da decisão popular, em conformidade com os pilares da democracia na Venezuela, nos desafia para uma tarefa histórica

Os opositores María Corina Machado e Edmundo Gonzáles.Créditos: Fotomontagem/Wikipedia
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A Venezuela vive um importante momento de aprofundamento democrático com a constituição bolivariana. Em 25 anos foram realizadas 31 eleições em alinhamento com a inovação constitucional de divisão de poderes: o poder legislativo, o poder executivo, o poder judicial, o poder cidadão e o poder eleitoral dos cidadãos. Deve ser ressaltado que, em muitas destas eleições, a oposição, tanto a Hugo Chávez quanto a Nicolás Maduro, venceu e governou, como o caso de Henrique Capriles, que governou o estado de Miranda de 2007 a 2015.

Em meio a muitos desafios, tem trilhado um caminho para um desenvolvimento nacional autônomo, com controle social da produção dos bens necessários para o seu povo e trabalhado num projeto de organização política que integra os grupos de base na tomada de decisão sobre os rumos do país, desta forma, resistindo à subordinação e à dependência dos países centrais, em especial do imperialismo norte-americano.

A disputa em voga acontece entre o esforço para manutenção de um projeto democrático popular, instaurado em conformidade com as normas constitucionais e a luta pela soberania nacional e a autonomia do povo venezuelano, e a tentativa de derrubada desse projeto, que resiste enfrentado situação de extrema pobreza, migração, violação de direitos essenciais, por consequência, das sanções econômicas impostas pelos EUA, as quais aprofundam a crise econômica há mais de duas décadas.

O discurso de fraude levantado pelos opositores Edmundo González e María Corina Machado, com seus aliados da extrema direita, contra Nicolás Maduro, se assenta em nova tentativa de golpe contra a decisão popular de protagonizar as mudanças que o país precisa. Não é por acaso que María Corina esteve envolvida em diversas das sete tentativas de golpe contra Hugo Chávez e Nicolás Maduro. A atual oposição venezuelana foi ativamente integrante de todas essas tentativas de golpes. Eis o histórico político que a mesma oposição tem a exibir na defesa da democracia.

Não surpreende, portanto, que essa mesma oposição já havia dado declaração, antes mesmo do pleito, que só reconheceria o resultado se fosse vencedora. Esta posição estava evidente quando a mesma oposição se recusou a assinar um pacto político institucional de sujeição à ordem constitucional, celebrado entre todos os candidatos, pelo reconhecimento do resultado das eleições, e firmado no dia 20 de junho de 2024. Esta sucessão de acontecimentos fortalece a histórica falta de compromisso com o processo democrático do pleito, com as instituições e com as normas constitucionais da parte da oposição.

Concomitante, acompanhamos um ataque orquestrado de uma extrema direita que não conhece o projeto de resistência do povo venezuelano, e nem está preocupada com a resolução dos problemas que o país enfrenta devido às sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Ciente da capacidade da extrema direita de espalhar desinformação chama atenção tamanha adesão às mentiras espalhadas nas redes sociais e na mídia hegemônica em vários países do mundo. Causa surpresa a quantidade de manifestações equivocadas de diversos setores da sociedade sobre as eleições na Venezuela.

Importa destacar que os grupos de observadores e observadores internacionais, que estavam na missão de observação, participaram de diversos espaços de debate sobre a conjuntura política da região América Latina e Caribe, incluindo a Venezuela, sobre o desenvolvimento do processo das eleições no país e a respeito das normas do poder eleitoral.

No espaço reservado para apresentação do sistema eleitoral, representantes do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) apresentaram todo o funcionamento do sistema, num espaço amplo e participativo que envolveu exposição e respostas às perguntas dos presentes. Foi ampliado o conhecimento sobre a robustez e a segurança do sistema eleitoral venezuelano, que faz com que seja considerado um dos mais seguros do mundo, se comparado a outros países. Em outro momento, nos espaços de visitação aos centros de votação, presenciou-se um ambiente democrático de livre exercício de direito ao voto do povo venezuelano.

Todo o discurso de fraude e o questionamento do resultado por motivo de exposição das atas, com sinais de desconhecimento das regras e prazos do Poder Eleitoral, soam como estratégia de desestabilização do trabalho que vem sendo realizado com rigor pelo CNE, e da tentativa de reversão do resultado, como forma de sobreposição à decisão popular e soberana do povo venezuelano.

Declarações advindas da Organização dos Estados Americanos (OEA), de países da União Europeia, de países como Estados Unidos, dentre outros da América Latina, se configuram como um desrespeito à democracia venezuelana, pela tentativa de intervir na autonomia e soberania popular do povo na livre escolha de seus representantes e ao princípio de não interferência em assuntos internos.

Considerando o compromisso com a luta dos povos e com a soberania popular na nossa região América Latina e Caribe, a defesa da decisão popular, em conformidade com os pilares da democracia na Venezuela, nos desafia para uma tarefa histórica na defesa da soberania dos povos.

Oxalá que tão logo reine a paz e estabilidade que o povo venezuelano necessita nesse momento. E que toda essa conjuntura que coloca a Venezuela no centro do debate sirva para atualizar nossas leituras sobre as resistências anti-imperialistas na nossa região.

*Euzamara de Carvalho é jurista membro da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e pesquisadora em direitos humanos na Universidade de Brasília (UNB).

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.