ANÁLISE

Tapetão na Sabesp - Por Simão Pedro, Eduardo Samoel Fonseca e Amauri Pollachi

O processo de privatização da Sabesp é de atribuição exclusiva da Câmara Municipal de São Paulo; isso não significa que o Poder Judiciário não possa intervir

Imagem Ilustrativa.Créditos: Divulgação/Sabesp
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Insurgiu-se o jornal O Estado de São Paulo em face da ordem judicial que determinou a suspensão e paralisação dos efeitos da votação do Projeto de Lei nº 163/2024, realizada pela Câmara Municipal de São Paulo em 2/5/2024, atinente ao processo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), cujo editorial recebera o título de “Sabesp no Tapetão”.

Na visão do jornal, a intervenção judicial configuraria um terceiro turno provocado pelo por Partido dos Trabalhadores (PT) e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), já que estes teriam assim agido por não alcançarem o apoio necessário pelo voto democrático para barrar o processo legislativo municipal, cujo rito de tramitação da lei teria sido legal, na visão do editorial.

Entretanto, a matéria jornalística ignora um dado extremamente importante para a compreensão do imbróglio, qual seja: a maioria dos paulistanos é contra o referido projeto de lei que visa privatizar a companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Segundo pesquisa recente, datada de 15 abril deste ano, realizada pelo Instituto Quaest, 52% do eleitorado do estado de São Paulo é contrário à privatização e 36% a favor. Na, capital essa diferença aumenta, com 61% dos munícipes contra, e apenas 29% a favor[1]. Portanto, se há falta de respeito à democracia, esta somente existe por parte do projeto de lei que não reflete a vontade da maioria popular.

Em outras palavras, a vontade do legislador municipal contraria frontalmente o desejo da população, o que, por si só, desautoriza o processo legislativo de venda da empresa.   

Mas não é só. O jornal se silencia acerca da decisão judicial anterior que determinava a apresentação de estudo de impacto orçamentário e a realização de audiências públicas a fim de se avaliar, através do debate democrático, a pertinência da pretendida privatização. Porém, o Legislativo municipal atropelou todas estas determinações da Justiça ao realizar a votação do Projeto de Lei n º 163/2024 em 2/5/2024, de forma atabalhoada e, mais uma vez, ignorando o desejo da população paulistana.

Por óbvio, o processo legislativo de privatização da Sabesp é de atribuição exclusiva da Câmara Municipal de São Paulo. Todavia, isso não significa dizer que o Poder Judiciário não possa intervir para examinar a legalidade e os efeitos decorrentes e quaisquer outros processos legislativos, quando instado para tanto. Isto é, assim como outros países, no nosso vigora o Estado Democrático de Direito, em que é natural a atuação do Poder Judiciário como garante da intangibilidade dos Direitos Fundamentais, cabendo a ele a função de agir em caráter contramajoritário.

Aliás, a decisão liminar proferida em 7/5/2024, pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, suspendendo a decisão judicial aqui debatida e restabelecendo os efeitos do Projeto de Lei nº 163/24, mostra justamente essa interação entre os Poderes. A Câmara Municipal recorreu e conseguiu no Tribunal decisão favorável. Contra esta decisão também cabe recurso aos Tribunais Superiores e, ainda, sem prejuízo de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) pelos partidos políticos para discutir com mais profundidade todas as questões em torno da privatização da Sabesp.

Tudo isso é compreensível e esperado dentro da dinâmica de funcionamento de uma democracia, mas que, infelizmente, não é para o jornal Estadão, que nesse caso atua como um verdadeiro corretor de vendas (da Sabesp), e não como um jornal que conhece e respeita o diálogo entre os Poderes e o desejo popular – próprio da estrutura Republicana.

[1] https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/05/03/privatizacao-da-sabesp-decisao-liminar-suspende-votacao-da-camara-de-sp.htm

*Simão Pedro é deputado estadual (PT-SP);

**Eduardo Samoel Fonseca é advogado, mestre em Processo Penal pela PUC-SP, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha), professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

***Amauri Pollachi é mestre em Planejamento e Gestão do Território (UFABC), graduado em Engenharia e História (USP), conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), especialista em saneamento.

****Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.