A legislação de recuperação fiscal dos estados constitui um importante capítulo do rol de normas de austeridade seletiva que foram estabelecidas após o impeachment de 2016. É claro que o advento dessa legislação veio em um contexto em que os estados não conseguiam pagar seus compromissos. Mas as soluções que foram adotadas escondem as causas do problema e não levam à recuperação do ente endividado, além de matar a sua capacidade de investimento e de atendimento aos direitos fundamentais da população.
Antes de buscar as explicações mais fáceis por estarem em consonância com os acordes entoados pelos arautos da austeridade, sempre prontos a apontar o dedo para o aumento com as despesas de pessoal, não se pode obter as respostas adequadas sem o exame das causas estruturais, conjunturais e regionais para o agravamento da situação nos últimos anos. Com a promulgação da Constituição de 1988 aumentou-se a concentração do poder tributário na União, em detrimento de estados e municípios, que continuaram a ser responsáveis pelo atendimento dos direitos sociais, como, por exemplo, saúde, educação, segurança pública, itens que tiveram um incremento fantástico nas últimas décadas a partir de decisões nacionais.
Esse desequilíbrio entre as receitas tributárias e o custo das competências atribuídas aos entes periféricos vem se agravando a cada ano, sem que estes tenham os mesmos instrumentos que a União para enfrentar suas crises, como a competência tributária muito mais ampla, o poder de ampliar o meio circulante e de emitir títulos públicos. É certo que se não tivesse os mesmos instrumentos de atuação, a dívida federal, hoje equacionada, seria tão ou mais grave do que a dos estados. Mais recentemente o quadro foi agravado pela redução de alíquota do ICMS sobre combustíveis, como medida eleitoreira do governo Bolsonaro. E caso específico do Rio de Janeiro, ainda há um esvaziamento econômico que se inicia com a mudança da capital para Brasília, em 1960, bem como os gastos astronômicos para a realização da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016.
Por isso, a solução para tão complexa questão não pode ser tecnocrática, como se a União fosse uma instituição financeira e os estados devedores pródigos. O que é preciso é a revisão do pacto federativo no plano financeiro que parta do reconhecimento de que os três entes da federação são responsáveis, cada um no âmbito de suas atribuições, por atender aos direitos da população, e que o quadro atual, em que a autonomia estadual é esmagada pelo credor federal, significa para o cidadão que as competências estaduais e municipais, tradicionalmente mais ligadas aos direitos sociais, deixarão de ser atendidas em favor da ampliação das receitas daquele ente que possui as melhores armas para enfrentar as crises.
Em função de decisão do ministro Dias Toffoli, na última segunda-feira (6) o governo fluminense foi contemplado com a suspensão da multa de 30% pelo descumprimento e inadimplência do pagamento do plano de recuperação fiscal. A deliberação ocorreu após solicitação do estado do Rio de repactuação da dívida pública estimada em R$ 191 bilhões, tendo em vista um déficit orçamentário em torno de 8,5 bilhões.
É a oportunidade para que os tecnocratas sejam substituídos pelos políticos, que devem deixar de lado as divergências partidárias, reconhecendo que o pagamento dessa dívida faz mais mal do que bem ao país.
*Ricardo Lodi é ex-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), professor de Direito Financeiro e advogado.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.