A Justiça Federal, em Sergipe (TRF5), decidiu, nesta quarta (29/5/24), em tutela de urgência, que os acordos entre a União Federal e a Proifes/Federação não têm validade jurídica para a categoria docente, porque essa entidade não pode atuar como legítima representante dos/das docentes perante a União Federal. Igualmente, a Justiça Federal, em Brasília (TRF1), já havia decidido, de modo definitivo, que o SINASEFE, e não o Proifes, é o legítimo representante sindical dos servidores docentes e técnico-administrativos que desempenham suas atividades nas Instituições Federais de Ensino Básico, Profissional e Tecnológico, bem como de servidores das Escolas Militares e ex-territórios do EBTT. Decorre dessas decisões, que produzem efeitos em todo o território nacional, que o acordo subscrito pela Proifes com o Ministério da Gestão e da Inovação na segunda-feira (27/5/24) padece de vício e irregularidade. Desde então, recebemos dúvidas pertinentes sobre a decisão e sobre suas consequências jurídicas e políticas. Neste breve texto, apresentamos cinco lições decorrentes dessa decisão judicial:
1ª lição: Um sindicato não se constitui apenas em cartório
Muito embora a formalização jurídica das entidades sindicais seja uma etapa prevista na nossa Constituição, é certo que os sentidos de autonomia e liberdade sindical, em perspectiva substantiva, reclamam que a constituição dos sindicatos se dê a partir de elos sólidos entre bases e tais sujeitos de representação.
Não se trata, portanto, de formalismo jurídico, mas do seu exato oposto. A existência de um estatuto e da respectiva certificação cartorial não se presta a constituir uma entidade sindical, mas sim sua capacidade de representação democrática daqueles(as) que supostamente integram suas bases.
Infelizmente, a atuação da Proifes tem revelado uma concepção sindical deturpada, uma vez que a noção de liberdade sindical reivindicada pela entidade é reduzida à positivação de normas em um estatuto, nos quais se conformam certos ritos, como eleições de diretoria, para que a esta seja conferido poder político central. Em declaração recente, membro da diretoria da Proifes afirmou que "nenhuma assembleia do país decidirá o que uma federação legalmente instituída fará" (Menandrocastroramos, 2024). Essa prática reiterada tem revelado uma prevalência do poder cartorial sobre a vontade soberana da categoria manifestada em assembleia.
Se, politicamente, não tem como base da sua existência a luta pelos interesses da categoria, mas sim os poderes constituídos em estatuto cartorial, a Proifes se deslegitima e descaracteriza como sindicato, uma vez que, inclusive do ponto de vista legal, compete aos sindicatos "representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria" (CLT, art. 513, "a").
2ª lição: Uma federação é um conjunto de sindicatos que representam a maioria de um grupo ou profissão
A teor do art. 534 da CLT, uma federação é constituída a partir de pelo menos 5 (cinco) sindicatos, “desde que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas”.
Os dados sistematizados por Saldanha (2024) informam que o Andes-SN representa docentes de 63 seções sindicais, de 61 universidades, entre as 69 universidades públicas brasileiras; a Proifes possui cinco sindicatos, que representam sete universidades. Além disso, pesa contra a Proifes o fato de possuir, em sua composição mínima de entidades filiadas, agrupamentos igualmente cartoriais, sem registro sindical ou "fantasmas", como o Sind-Proifes-Pará, SindUFMA, SindIfSE e SindiProifes.
Portanto, para que a Proifes fosse considerada "legalmente instalada" como federação sindical, deveria representar, nos termos da CLT, em seu art. 534: "(...) a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas".
Não é o caso e não se trata, aqui, de reivindicar um formalismo em desfavor da federação. Mas, pelo contrário, de reconhecer que a mera composição formal do número mínimo de entidades exigidas por lei para efeito de certificação jurídica não contempla a substância de uma federação, que deve ter representatividade, a nível regional, com relação à categoria supostamente representada. Sindicatos fantasmas e federações cartoriais não podem cumprir esse requisito substantivo da atuação sindical.
3ª Lição: Não há negociação coletiva sem sindicato representativo
Em uma negociação, devem estar representados dois lados ou partes de um dissídio ou conflito sindical. No caso em tela, tem-se um lado representado pelo governo federal; e o outro, pela categoria docente.
Ainda que existisse mais de um sindicato legítimo para representar uma categoria, como ocorre em modelos de pluralidade sindical, a negociação coletiva entabulada em favor de uma categoria é única, uma vez que os direitos ali conquistados devem ser estendidos de forma igualitária, a todos/as/es os/as/es trabalhadores. Os resultados da negociação não podem ser cindidos entre uma parte e outra da categoria docente, conforme sua filiação a uma entidade cartorial ou a um sindicato docente. O acordado valerá para todos(as) os(as) docentes, independentemente da entidade a que estejam filiados(as).
Assim, é importante reconhecer que, mesmo que admitíssemos a existência de duas entidades sindicais legítimas para negociar nacionalmente em favor da categoria (volte às lições 1 e 2), quando se trata de negociação coletiva, que produz instrumento único para toda a categoria, há que se considerar, à luz da liberdade sindical, composições que considerem a máxima representatividade daqueles entes que assumem a negociação.
Mesmo em países nos quais há experiência plena de liberdade sindical, com pluralidade, há regras para a entabulação de negociações coletivas na pluralidade - já que o instrumento pactuado deve ser um só para toda a categoria. Essas regras variam desde a indicação do sindicato mais representativo como titular legítimo da negociação em prol de toda a categoria até a composição paritária de uma frente negocial, considerada proporcionalmente à representatividade de cada grupo. O que não tem precedente, até porque contraditório com qualquer lógica democrática do fazer coletivo, é o sindicato menos representativo assumir a titularidade da negociação em favor de toda a categoria.
4ª lição. O governo não pode negociar com ele mesmo.
Como afirmava Darcy Ribeiro (2019), o óbvio precisa ser explicado.
A atitude de negociar com o ente sindical menos representativo, sendo sabedor dessa condição, para colocar fim a uma greve deliberada pela base das categorias docentes e de técnicos-administrativos em todos o país, configura, no mínimo, conduta antissindical da contraparte, ao tentar burlar a legítima representação dos trabalhadores por meio da cooptação de entidades sindicais mais afáveis.
Para aqueles que se colocam principiologicamente contrários ao exercício do direito constitucional de greve, talvez seja aceitável que uma entidade que não é um sindicato se porte como um, contra todas as evidências; e que o governo federal, ciente de que esta entidade não é um sindicato ou uma federação que represente a maioria docente, mesmo assim encerre negociações com a categoria docente mediante uma formalização de acordo com minorias sem legitimidade política e jurídica. O tema foi discutido na Executiva do PT; não se trata de um desconhecimento ou ignorância (Pomar, 2024).
A prática de negociar com seus próprios pares, para dificultar a negociação ou o atendimento das reivindicações das categorias em luta, é vedada pela Lei de Greve (art. 17) e deve ser rechaçada por todos(as) que possuem respeito à democracia sindical e substantiva, construída pela base. Empregadores/Estado devem abster-se de atuar de forma fictícia, com base em poderes cartoriais e contra o interesse dos atores sociais em luta. A greve prossegue, apesar da contraditória e lamentável atuação de um governo de origem trabalhista e popular.
5ª lição: autonomia frente a governo e empregadores é princípio do movimento sindical democrático e pressuposto da liberdade sindical
As lições acima referidas repercutem ainda na noção de autonomia sindical frente a empregadores, governos e Estado. A invalidade do acordo entre União e Proifes, bem como a proibição de que o governo assine acordos com a referida entidade, foram decididas em processos judiciais movidos tanto pelo Sinasefe quanto pelo Andes-SN. O governo caminhou por mesas de negociação ciente de que não poderia negociar com entidade cartorial nem com ele mesmo, mas insistiu em dar um "tiro no pé" (Pomar, 2024). O Poder Judiciário chancelou a denúncia feita pela maioria do movimento sindical docente e afastou a validade desses acordos. Quais as consequências para o governo e para o movimento?
O governo federal, que ora se coloca como Estado e empregador, deve, em respeito elementar ao movimento sindical, aprender que não cabe a ele decidir com quem, como e até quando negocia. O respeito ao diálogo social e à negociação coletiva pressupõe o reconhecimento das entidades legitimamente eleitas pelos(as) trabalhadores(as) como parte da negociação. A categoria docente merece ser tratada com dignidade e respeitada em suas decisões construídas nos espaços legítimos.
O movimento docente, por outro lado, precisa se repensar, considerados os nocivos efeitos que a divisão artificial de nossa representação tem causado, fragilizando o movimento grevista. Apela-se, sobretudo, às bases reais que mantêm contribuição sindical para a Proifes. Todos(as) professores(as) que educam na UFBA, UFSC, UFRGS, UFG, UFRN, UFOB, Unilab/Malês, entre outras instituições, estão interpelados a afirmar o compromisso com a autonomia sindical, com a democracia sindical e com a luta coletiva, para além dos vínculos meramente formais e estatutários hoje existentes com grupos que atuam contra os interesses e decisões da categoria docente. O tempo da paciência com a filiação a esta entidade cartorial terminou. Por um movimento sindical pautado na luta real e coletiva, construído pela base!