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A Revisão da Vida Toda e a árdua luta dos aposentados por seus direitos – Por Fernando Castilho

Processo já dura 10 anos e, durante o período, milhares de aposentados já não estão entre nós e, a cada mês que passa, muitos falecem sem ver seu direito respeitado

Créditos: Prefeitura de Londrina
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A Reforma da Previdência de 1999, ocorrida no governo Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu uma regra de transição que desconsiderou as contribuições anteriores ao Plano Real e levou em conta apenas as 80% maiores contribuições após 1994. Desta forma, milhares de aposentados que contribuíram com salários mais altos antes de 1994, simplesmente tiveram descartados os seus recolhimentos. Há inúmeros casos de pessoas que só recebem 1 ou 2 salários-mínimos de benefício, o que torna a subsistência uma luta diária, quando poderiam estar recebendo 3 ou 4.

O processo da Revisão da Vida Toda já dura 10 anos e, durante esse período, milhares de aposentados já não estão entre nós e, a cada mês que passa, muitos falecem sem ver seu direito respeitado.

Em 8 de março de 2022 ocorreu o primeiro julgamento da ação em ambiente virtual com vitória dos aposentados por 6 a 5. Contudo, faltando apenas 15 minutos para o encerramento do depósito dos votos, o ministro Nunes Marques pediu destaque, o que fez com que o julgamento fosse anulado e a ação voltasse a ser apreciada em plenário presencial. Nessa segunda votação, ocorrida em 1º de dezembro de 2022, foi mantido o mesmo placar de 6 a 5 em favor dos aposentados. Portanto, apesar do empenho de Nunes Marques em evitar que o governo Bolsonaro desembolsasse recursos que já estavam na mira de sua campanha eleitoral, a ação foi vencida por duas vezes.

É muito interessante que o leitor fique atento às datas, pois elas mostram o quanto o STF tem sido leniente em atender o direito dos aposentados.

Em novembro de 2023, portanto quase um ano após a vitória, o procedeu ao julgamento, em ambiente virtual, dos embargos de declaração interpostos pelo INSS, com o relator Alexandre de Moraes e os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Carmem Lúcia votando pela modulação de efeitos dos atrasados, mas mantendo o mérito. Para surpresa geral no meio jurídico, o ministro Cristiano Zanin votou pelo retorno do processo ao STJ por entender que houve desrespeito à cláusula de reserva de plenário devido a uma alegada (por ele) omissão do ministro aposentado Ricardo Lewandowski, o que não ocorreu porque ele acompanhou integralmente o relator. Zanin foi acompanhado por Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Esses votos são totalmente irregulares porque em sede de embargos de declaração não é possível alterar o mérito de uma sentença já julgada e aprovada. Além disso, como Lewandowski já havia votado antes de se aposentar, Zanin não poderia reformar seu voto, restando-lhe apenas o direito a se manifestar pela modulação de efeitos, ou seja, o estabelecimento de um marco temporal para o pagamento de atrasados. Alexandre de Moraes, que tem sido sensível a causa dos aposentados, pediu destaque para que o julgamento recomeçasse do zero em ambiente presencial.

O julgamento da Revisão da Vida Toda no STF deveria ter sido retomado no dia 1º de fevereiro de 2024 e era o primeiro da pauta, mas, para surpresa geral, o presidente Barroso decidiu adiá-lo para 28 de fevereiro.

Sabe-se agora, pelo site do STF, que duas ADIs (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foram marcadas para o mesmo dia 28 de fevereiro e já adiadas novamente. Uma delas, a ADI 2111, foi desenterrada por Barroso, já que tramita no STF desde 1999, portanto, há 25 anos. Essa ADI, caso julgada inconstitucional, tem o poder de vincular a Revisão da Vida Toda, tornando sua aprovação nula.

Mas, se o leitor acha que a análise dos embargos de declaração foi feita no dia 28 de fevereiro, engana-se. A nova data agora é 20 de março, portanto, um ano e 3 meses após a aprovação da ação.

Caso a decisão seja pela anulação do julgamento e consequente retorno ao STJ, como quer Zanin, os aposentados, que já aguardam uma sentença favorável há 10 anos, terão que aguardar mais alguns anos sem garantia nenhuma de nova aprovação. Enquanto isso, muitos morrerão sem receber seus benefícios corrigidos.

É preciso lembrar que uma imensa insegurança jurídica advirá dessa decisão, o que permitirá que sempre que uma parte perder um processo, possa, em embargos de declaração, rever o mérito da decisão tomada e revertendo-a, o que é um absurdo jurídico.

O INSS alega que a revisão trará enorme impacto financeiro à União e cita cifras da ordem de 500 bilhões de reais, o que tem sido usado por alguns ministros para justificar seu voto contrário. Mas isso não é verdade. Trata-se de ação de uma minoria de aposentados estimando-se um impacto de cerca de 15 bilhões. Entretanto, mais que o impacto que possa causar às contas públicas, trata-se de um direito já assegurado, o que sobrepuja qualquer outra questão.

O presidente Lula, durante sua campanha e mesmo após a eleição, foi firme em dizer que seu maior objetivo é acabar com a fome e combater as desigualdades sociais no país. Seria coerente, então, que o INSS recuasse da ação permitindo que a justiça social seja feita.

Seria coerente também que Cristiano Zanin, ministro indicado por Lula, recuasse de seu voto totalmente irregular e votasse a favor dos aposentados.

*Fernando Castilho é arquiteto, professor e escritor.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.