No dia 21 de março, é comemorado o “Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé”. A Lei 14.519/23, sancionada pelo presidente Lula em 2023, é mais um passo no processo de reconhecimento simbólico de valorização das tradições africanas e afro-brasileiras pelo Estado brasileiro.
Esta mesma data, desde 1966, é considerada o Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. Este dia foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória as 69 pessoas negras assassinadas covardemente no chamado “Massacre de Shaperville”, ocorrido 21 de março de 1960, em Joanesburgo, na África do Sul, em pleno regime do Apartheid.
Não é por acaso que tenhamos a nível nacional uma lei que visibiliza positivamente as nossas diversas tradições ancestrais negroafricanas no mesmo dia que a comunidade internacional é convocada a refletir e criar formas de luta contra a discriminação racial. O enfrentamento ao racismo em todas as instâncias da vida é condição para a garantia da promoção e proteção dos nossos direitos, a começar pelo direito a viver com dignidade e isso implica na proteção e valorização das nossas tradições de matrizes africanas e de terreiro.
A permanência das raízes de matrizes africanas, dos povos e comunidades de terreiro é fruto da luta histórica contra o racismo, sexismo e a produção da desigualdade socioeconômica. A despeito das tentativas de destruição física e espiritual do povo negro, são nossas políticas de (re)existência que garantem nossas vidas e nossos modos negros de ser, viver e existir. Foram e seguem sendo as estratégias de nossos ancestrais e nossas reelaborações que possibilitam o tocar dos nossos atabaques, as umbigadas nas rodas de jongo, a reverência às velhas-guarda, o cantar em línguas africanas e, antes de tudo, a vida de nossa gente negra pulsante.
Mais do que uma data comemorativa, o dia 21 de março precisa servir de marco para um efetivo compromisso do Estado brasileiro com a elaboração de políticas públicas que garantam transformar a realidade de extrema violência que vive a população negra e os povos e comunidades de terreiro. É preciso orçamento público sendo investido com seriedade na luta contra todas as expressões do racismo.
Se não fosse o candomblé, eu não estaria aqui! Mais ainda. Se não fosse as comunidades de terreiro, as pessoas negras não estariam aqui. Tomados pela força viva e vibrante de nossa espiritualidade negroafricana - Orixás, Inquices, Voduns, encantados e entidades - e nossos modos de vida, plantamos vida em meio a morte, encantamos os dias diante do desencanto do mundo e coexistimos com todos os seres (visíveis e invisíveis) à revelia das políticas de morte. Portanto, é considerando a centralidade de nossos corpos e perspectivas negras, de terreiro, femininas e periféricas no fazer político a real possibilidade de construir uma outra sociedade onde o horizonte seja a vida sendo vivida abundantemente por todas as pessoas e demais seres da terra.
*Pai Dário é um homem negro, gay, cria da Serrinha, jongueiro, artista, militante e Babalorixá. Nascido e criado com influência do samba, do jongo e da música, Dário Firmino iniciou sua trajetória novo, aprendendo com os mais velhos as musicalidades e danças brasileiras. É arte-educador, coreógrafo, produtor e diretor artístico.