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Entre o Cruz e o Caiado: Coronelismo e o Judiciário em Goiás – Por Frederico Assis Brasil

O consenso social tem sido obtido de forma coercitiva em Goiás, bem antes do famigerado episódio da chacina que dizimou a família Wolney no norte do Estado (atual Tocantins) de Goiás em 1909

Créditos: Frederico Assis Brasil
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O consenso social tem sido obtido de forma coercitiva em Goiás, bem antes do famigerado episódio da chacina que dizimou a família Wolney no norte do Estado (atual Tocantins) de Goiás em 1909. Não muito distante disso, revelando as constantes tentativas de fazendeiros e clérigos de corromper os signos de modernidade esperada com a chegada do Estado Burguês, hoje, o terratenente Ronaldo Caiado, seguindo os ditames de Maquiavel (ser mais temido do que amado), governa através do medo e da intimidação, mesmo que passivamente, em função da associação semântica de sua estirpe familiar com o coronelismo colonialista em Goiás. O caso de queima de arquivo do seu ex-coordenador de campanha no DEM, Fábio Escobar, após este não vender seu silêncio para não denunciar irregularidades contábeis, tem servido como aviso subliminar de que eventuais oponentes terão o mesmo destino trágico. 

Já o ex-pastor e prefeito de Goiânia, Rogério Cruz, não vive sem sua guarda civil (real) municipal, que além de assessorá-lo para assuntos aleatórios, por meio da liderança dinástica do seu "inspetor bugiganga" Romário Policarpo, presidente da Câmara de Vereadores em modo avião ininterrupto. De comportamento quase paramilitar, a guarda municipal tem se envolvido em casos de diletantismo policialesco, como busca e apreensão sem mandato e abuso de poder. O caso de desmando do GCM contra o DJ Etezinho em uma festa é emblemático aqui, em que o município de Goiânia foi condenado a pagar R$ 20 mil de indenização, após a Justiça entender que houve abuso de poder, tendo sido o mesmo obrigado a ficar deitado em cima de um formigueiro, caracterizando um verdadeiro ato criminoso de torturo. 

Infelizmente, a lógica inercial tacanha de colonial cidade pequena e ruralizada antidemocrática, que vive entre a cruzes dos religiosos e a espadas dos coronéis, tem feito os juristas esmorecerem em Goiás diante da coerção do caiadismo, composto por fanáticos em diversos órgãos públicos, atuando micropoliticamente. A perda relativa de autonomia desse poder tem favorecido os interesses políticos comezinhos, em discordância com as diretrizes e legislações nacionais, por vezes, obrigando a uma ação reparadora em Goiás, por partes das instâncias fiscalizantes do judiciário em Brasília.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ/GO) está sendo monitorado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a força-tarefa do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Goiás (GMF/GO) após denúncias de violações dos direitos humanos nos presídios em Goiás: maus-tratos, torturas, inclusive com o uso de choques elétricos, intimidações, ameaças e celas em condições degradantes. Apesar disso, Caiado segue defendendo políticas de segurança pública violentas e xenófobas ("ou bandido muda de profissão, ou muda do Estado") que é uma forma eugenista de desconvidar migrantes negros, nortistas e nordestinos, que costumam figurar como suspeitos preferenciais de crimes sem provas ou solução. Utilizando um caso de reincidência de um preso de Minas, que, na saidinha de Natal (indulto natalino), matou policial em BH, para tentar acabar com essa prerrogativa constitucional, o governador de Goiás esquece que sua gestão de segurança pública pode estar contrariando à Constituição Federal e Declaração Universal dos Direitos dos Homens.

Em resposta simbólica a esse quadro alarmante, para criar uma maquiagem na realidade, por meio de efeito placebo de normalidade, foi organizado na Alego, pela base do governador, uma exposição do projeto “Força do Bem” para mostrar os artesanatos fabricados pelos detentos do Complexo Prisional da Polícia Penal de Aparecida de Goiânia (CEPAIGO). O fato é que meia dúzia de presos que puderam preservar suas virtudes dentro do sistema, não representam a média que fica adoecida em termos de saúde mental.

Cabe frisar que policiais penais, bem como, guardas municipais, foram homenageados na assembleia por deputados caiadistas e cruzistas logo após escândalos envolvendo essas corporações, no que tenta contribuir para operar o esquecimento sobre denúncias. No caso da Guarda, logo após o episódio da trapalhada ação dos seus agentes para recuperar de maneira ilegal os cartões sociais roubados por um estagiário da Secretária Municipal da Mulher, por terem entrado, sem mandato, na casa de suspeito e gravado confissões sem autorização judicial.

Em 25 de janeiro de 2024, ocorreu a 1ª Ação Simulada com Ativação de Protocolos de Contingenciamento de Crises no Complexo Prisional em Aparecida de Goiânia, com simulações de crises carcerárias. Na verdade, o intento aqui é gerir a crise institucional da imagem da polícia penal, que foi comprometida pelas denúncias de violações da declaração universal dos direitos humanos. Tentam, visivelmente, desviar o foco da denúncia do Conselho, pois o sistema prisional goiano foi acusado de maus tratos físicos e psicológicos gratuitos aos presos em situações normais de encarceramento. Em caso de rebelião, sabemos que um novo episódio do Carandiru ocorrerá em Goiás, a julgar pela animosidade coronelista com que o governador trata o assunto da segurança pública: "a minha polícia". 

Apesar de bem-vinda a padronização de ações e comportamentos diante de cenários de crise, passíveis de ocorrer, o que a Polícia Penal não quer revisar é sua política prático-pedagógica na formação dos agentes que desumaniza o atendimento deles aos cidadãos presos e seus parentes. A universidade do crime só existe também, porque o tratamento indigente ao preso e a falta de um programa geral de ressocialização pela arte e trabalho, torna a opção pelo crime, uma escolha por falta de opção. 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do ministro Luís Felipe Salomão, determinou no final a devolução do cargo do desembargador goiano Adriano Roberto Linhares, afastado dia 6 de novembro de 2023, diante de pressão do governador Ronaldo Caiado, que representou contra ele no Conselho de Ética do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) por defender a extinção da Polícia Militar, tendo o acusado também de o mesmo ter sido “cooptado pelas forças do crime”, o que justificaria seu impeachment. Na verdade, Adriano Linhares havia proposto a extinção da PMGO como um exercício de reflexão durante uma audiência de julgamento, alegando que a corporação de inspiração militar é treinada para guerra e comete abuso policial por meio de chacinas (caso Lázaro Barbosa p. ex., que morreu com 38 tiros). 

Completa a série de atitudes questionáveis do judiciário goiano, a tibieza sardônica do Ministério Público de Goiás, diante do caso dos maus tratos das escolas municipais denunciados em janeiro de 2024 por funcionários, em patente desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa preliminar não ação do Ministério Público, na véspera da corrida eleitoral de 2024, o que poderia desgastar ainda mais a imagem de um prefeito com cara e mentalidade de vice, demonstra que em Goiás, mesmo os órgãos federais criados para ser um megafone contra as mazelas da injustiça social, parecem temer os donos do poder, em função dos seus arsenais midiáticos e suas pressões clientelistas. Afinal, no contrário da "terra de ninguém" que virou Goiás, manda quem pode, no caso, o Caiado e Cruz, e obedece quem é juiz ou promotor.

*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.