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O primo nobre do Caiado (II) – Por Frederico Assis Brasil

Oito vidas assassinadas valem menos do que um sobrenome de poder político em Goiás

O governador goiano Ronaldo Caiado.Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
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Apesar do nome Escobar ser associado ao crime organizado da Colômbia, no Brasil, o Caso Fábio Escobar, refere-se a morte do ex-apoiador anapolino de Ronaldo Caiado no DEM, morto por ter denunciado supostos desvios de dinheiro na campanha eleitoral de 2018, e tentativa de compra de seu silêncio, envolvendo o espectro político-partidário do governador de Goiás. Esse crime ocorrido em Anápolis, no ano de 2021, que contou, supostamente, com influência e prestígio, pelo menos, passivo do primo de Caiado, Jorge, junto a alguns membros das forças de segurança pública, que participaram do delito, a mando de Cacai (ex-presidente do DEM-GO), deveria ter sido tratado com um maior grau de perplexidade social. Trata-se, mantidas as devidas proporções do Caso Marielle Franco e Anderson Gomes de Goiás, ou até mais do que isso, porque, após ter sido eliminado o desertor do DEM, mais 7 pessoas que o testemunharam, foram mortas um esquema de queima de arquivo em pirâmide. Apesar da grande monta de ocorrências criminosos, supostamente, conexos, o assunto tem sido abordado com parcimônia jornalística, tendo ganhado maior destaque somente no Observatório de Causas de Grande Repercussão, de CNJ e CNMP, instâncias de recomendação, sem bala na agulha para frear o autoritarismo caiadista em Goiás, que mantém, por coesão coercitiva e consensual, o judiciário goiano sob sua tutela psicológica. Pelo menos, é o que se pode desprender das últimas decisões da Justiça envolvendo o caso, que demonstram uma suposta tentativa de dessensacionalizar e naturalizar a barbárie, transformando uma chacina em um conjunto de crimes dispersos, sem nexo causal e solução de continuidade entre eles. A seguir, veja o passo-a-passo para se livrar de uma acusação de assassinato em série:

Passo 1: Livre-se da autoria, acusando o morto de ser muito louco

A defesa de Jorge Caiado, suposto réu do assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, em junho de 2021, em Anápolis, listou dez nomes de supostos desafetos da vítima, entre eles o do marido da suposta amante dele e colegas de carteado a quem ele devia dinheiro, citando também a existência de registro de ocorrência por violência doméstica contra a vítima. De quebra, desqualificou a idoneidade do testemunho, afirmando serem “opiniões mentirosas, declarações caluniosas” e “visivelmente carregados de rancor e ressentimentos”, de dois revanchistas coronéis de confiança do governador no seu primeiro governo, Newton Nery Castilho, ex-chefe da Casa Militar, e Benito Franco, ex-comandante da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam), primeiro governo de Ronaldo Caiado (UB). Os depoimentos, supostamente, colocam também o governador do Estado, primo de Jorge, na rota colateral do inquérito, por ter, supostamente, sido informado sobre as tentativas deliberadas de Cacai e seu Sancho Pança, de matar Fábio Escobar.

Passo 2: Escolham jovens talentosos e ambiciosos para emprestarem reputação ao acusado

A defesa de Jorge passou a contar em 2022 com o dr. Thales José Jayme, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Goiás), e dr. Rodrigo Lustosa Victor, presidente da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB-GO, ou seja, fazem uso político-institucional da ilibada entidade de advogados, presidida em Goiás pelo dr. Rafael Lara, que em novembro de 2024, foi reeleito com a chapa “Compromisso Continua”, da qual faz parte, a filha do governador, Anna Vitória Caiado, eleita para o cargo de Conselho Federal da OAB, órgão máximo da estrutura da Ordem, o que, supostamente, pode permitir aos Caiados blindarem ainda mais seus sobrenomes de um eventual pedido de prisão de Jorge Caiado, o que, poderia, ensejar uma delação premiada por parte do primo do governador.

Passo 3: Confie no sobrenome familiar que abre portas da polícia, mas não fecha as grades da prisão

No dia 23 de maio de 2024, o Tribunal de Justiça de Goiás reiterou a negativa da 1ª Vara Criminal de Anápolis, em relação ao pedido recursal do Ministério Público de Goiás para tirar de circulação Jorge Caiado, por unanimidade, que, estranhamente, é o único acusado de envolvimento no Caso Escobar que está livre, leve e solto. Afirma a defesa, que não havia comprovação de conexão plausível do primo do governador com os policiais presos em um suposto esquema de favorecimento em processos administrativos de promoções dos PMs após cometimento do crime, supostamente, encomendado por Cacai, e que nem mesmo esses militares (Glauko Olívio de Oliveira, Thiago Marcelino Machado e Erick Pereira da Silva), mencionam o nome do nobre denunciado em questão. Lembremos que o TJ-GO, é a mesma entidade que, a pedido de Ronaldo Caiado, suspendeu cautelarmente do cargo, o desembargador Adriano Roberto Linhares Camargo, após a fala em defesa do fim da Polícia Militar (PM), em um julgamento da seção criminal do tribunal na data de novembro de 2023. Tamanha lealdade parece remontar à cinco leis de Goiás, editadas por Caiado, consideradas inconstitucionais, que permitia que o poder Judiciário recebesse salários acima do teto do funcionalismo público, com vencimento de até R$ 170 mil mensais, com o subterfúgio de se tratar do excedente ao teto, ou seja, verbas indenizatórias a magistrados que exerceriam funções administrativas. Felizmente, após ser provocado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e pela AGU (Advocacia-Geral da União), o ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu em 22 de julho de 2023 esses supersalários, que só perdiam em valores para o Mato Grosso do Sul na época.

Passo 4: Truques velhos sempre funcionam com pretos, pobres e favelados

Em novembro de 2024, a primeira vara criminal de Anápolis optou por absolver sumariamente, sem levar a julgamento, cinco policiais militares que estavam presos (Cabo Glauko Oliveira, primeiro-tenente Adriano Azevedo de Souza, cabos Rodrigo Morais Leal e Thiago Marcelino Machado, além do Soldado Wemblayson de Azevedo Lopes), das acusações de envolvimento em um suposto triplo homicídio ocorrido em 23 de agosto de 2021, visando queima de arquivo de possíveis testemunhas da execução do empresário Fábio Escobar. Como Adriano só era acusado desse suposto crime colateral, ele foi solto, ao contrário dos demais citados, que seguem sendo acusados e processados pelo homicídio da vítima.

A defesa dos PMs outrora indiciados utilizaram o velho truque do excludente de ilicitude e legítima defesa para se isentarem de culpa pela morte de Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana e Mikael Garcia de Faria, afirmando que os “indivíduos em atitudes suspeitas se recusaram a se submeter a abordagem policial e iniciaram confrontos”, negando haver correlação entre essas mortes e a de Escobar, que, segundo a defesa, “decorreu da palavra de um indivíduo faccionado, Carlos Eduardo Rodrigues da Silva, que era, a princípio, suspeito de estar envolvido com a morte de Escobar”.

É patente, que o caso merecia maiores diligências e que o judiciário goiano está melindrado, atuando sem independência constitucional, porque se Ronaldo conseguiu suspender um desembargador por motivo torpe, o que poderia, supostamente, fazer com triunvirato de juízes Samuel João Martins, Mariana Amaral de Almeida Araújo e Zulailde Viana Oliveira, se apontassem suspeita de seu sobrenome, às antevésperas de sua eleição presidencial, estar envolvido em uma trama de poder, narcisismo e traição, que pode não ser uma teoria da conspiração. Talvez, por isso fosse urgente a federalização do caso, tendo como base a Emenda Constitucional 45 (Reforma do Poder Judiciário), que instituiu um dispositivo constitucional (Incidente de Deslocamento de Competência) para resolução de crimes de grave violação de direitos humanos, o que permitiria o procurador-geral da República e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) atuarem na esfera estadual.

Passo 5: Só confie em um amigo que tenha seu preço

Na tentativa de, supostamente, seguir usando do fato de ser homônimo do sobrenome do governador para obter privilégios ou se safar, Jorge Caiado resolveu intimar Ronaldo Caiado, em uníssono com o acusado de ser o mandante do suposto crime de pistolagem:

“Jorge Luiz Ramos Caiado, por seus procuradores que esta subscreve, vem expor e requerer o que se segue: Durante a audiência de instrução e julgamento do dia 8 de novembro de 2024 (mov. 667), a Ilustre defesa de Carlos César Savastano de Toledo requereu a oitiva do Governador do Estado de Goiás, Excelentíssimo Senhor Ronaldo Caiado, na condição de testemunha referida, uma vez que foi sobejamente indicada e referida na oitiva do Cel. Newton Nery Castilho. Neste cenário, a defesa de Jorge Luiz Ramos Caiado concorda com o pleito aviado pela defesa de Carlos César (Cacai), entendendo ser imprescindível a oitiva do Chefe do Poder Executivo do Estado de Goiás, objetivando esclarecer as controvérsias estabelecidas pela testemunha Cel. Castilho, principalmente relativas às supostas mensagens encaminhadas por Fábio Escobar ao Governador do Estado de Goiás. Ademais, tal ato elucidará a tese adotada pelo Colegiado de exceção de nulidade por derivação pela descoberta inevitável da prova”.

Como o governador enquanto citado pelo coronel, mas, supostamente, pela vítima Escobar, que alegou ter avisado por celular que estava sendo acossado pelos compadres do governador, só poderia ser ouvido nas instâncias superiores, em função do foro privilegiado, após paralisação do processo e sua designação para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília, onde o sobrenome Caiado seria apenas um eco da intimidação que exerce nas paragens da capital de Goiás, as defesas de Jorge & Cacai, passaram a dar um cavalo de pau na tentativa de fazer sinal de fumaça para o Palácio das Esmeraldas. E o resultado parece ter funcionado, pelo menos, para Jorge.

Ocorre que a defesa do primo de Caiado recuou do pedido comprometedor, justamente, após o interrogatório favoráveis de 3 oficiais da PM, que parecem ter vindo a mando de uma estrela maior para salvar o Natal de Jorge, trazendo presentes divinos. Os 3 reis magos são o coronel Luiz Carlos de Alencar, agraciado pela pasta da Casa Militar pelo governador, o tenente-coronel Edson Luís Souza Melo, ex-segurança do governador, e o tenente-coronel Franz Augusto Marlus Rasmussem Rodrigues, ex-ajudante de ordens. Repletos de afirmações positivas sobre o histórico de Jorjão, os militares ainda acusaram as testemunhas de acusação Newton e Benito de mal-intencionados e, este último, de insano (sem provas médicas). O entendimento é que elas supriram as necessidades que o governador atenderia, dando indicativos de que, supostamente, o trio estariam ali a pedido de vossa excelência.

O fato é que, dos acusados da morte do anapolino, conterrâneo de Ronaldo, somente 3 encontram-se, atualmente, detidos (Cacai, Glauko e Thiago), estando dois em liberdade (Erick e Jorge) e um sem vida (Welton). Este, certamente, não seguiu esta cartilha da impunidade caiadista. Já os oitos mortos nessa suposta “chacina do Tronco número 2”, seguem morrendo novamente a cada retrocesso do caso, que segue sem elucidação, como Lázaro Barbosa, neocangaceiro que morreu com 38 tiros pela polícia de Caiado, o que no mínimo, deveria ser considerado mau uso do dinheiro público, já que para os caiadistas raíz do pé rachado, não existem direitos humanos para bandido. Contra eles, só podemos cantar que “também morre quem atira”.

Passo 6: Seja um imoral da história, contando estória para boi dormir com moral

É por isso que a narrativa propagandeada pelas publicidades oficiais e entrevistas jornalísticas do governador de que os índices de criminalidade caíram em sua gestão devem ser analisados de forma crítica sociológica altiva “anticaiadofóbica”. Se a quantidade de assalto de pick-ups brancas de falsos fazendeiros foi mitigado, assim como o número de homicídios e latrocínios, houve um aumento da violência doméstica e letalidade policial contra pretos, pobres e periféricos, esses que são doutrinados a se sentirem culpados pela sua própria exclusão em um sistema desigual e concentrador, que tem como um dos seus grandes ancoradouros, a Santíssima Trindade da cidade de Goiás: coronelismo, agronegócio e sertanejo (supletivo). A marginalidade, desde então, parece estar dentro do Estado, pois que o executivo mimou o judiciário com penduricalhos, castrou o legislativo com emendas e bestializou a imprensa com verbas publicitárias.

Como vimos, nem mesmo os policiais militares foram poupados dessa cooptação orquestrada da falsa modernidade propalada por Caiado, pois que são vítimas de um conto de vigarista, pois que passaram a atuar como uma espécie de mercenários do Estado, arriscando suas vidas e reputações por salários irrisórios, em um “sistema de tolerância zero” nota zero. Isso porque, alguns policiais têm encontrado nas promoções por bravuras, como há suspeita de ter ocorrido no Caso Fábio Escobar, o reforço positivo para aderirem ao condicionamento behaviorista estatal de animalização das suas abordagens e suas condutas profissionais contra supostos meliantes. Essa suposta extraoficial política eugenista e xenofóbica de extermínio e truculência policial, insuflada pelo bordão “Em Goiás o bandido muda de profissão, ou muda de Estado”, se não contraria os direitos humanos universais ratificados na constituição cidadã por palavras, contraria pelos nefastos números que se tem como consequência delas. De certa forma, acredita-se que os policiais de Goiás têm tido uma tácita licença poética e política para aumentar a virulência com pessoas em situação de vulnerabilidade e/ou marginalidade, o que é consentido por uma elite econômica e intelectual branca e ruralista, eterna eleitora de Bolsonaro, que consegue comungar messianismo cristão com darwinismo social.

O fato é que alguns dos resultados pela SSP-GO podem ser muito parciais e ocultistas, haja vista que os índices pouco virtuosos de violência estatal não foram disponibilizados em 2019, durante a primeira gestão de Caiado. Foram tratados, como informação sigilosa, exclusivamente, pela Secretaria de Segurança Pública de Goiás, o que afetou a base de dados do mapeamento anual “Monitor da Violência” (G1; USP, FBSP). O estranho silêncio, na verdade, gritava o óbvio: Goiás foi o estado brasileiro que registrou o maior aumento de mortes pela polícia entre 2018 e 2019, tendo sido 401 óbitos a mais, o que o coloca acima, inclusive, do famigerado Rio de Janeiro (276 óbitos). Com a inclusão no Monitor da Violência desses péssimos números tratados como cabalísticos pelo governo de Goiás, a porcentagem do aumento de letalidade policial aumentou em 1,5% a mais do que sem os índices do “Estado do Governador”, saltando, assim, de uma taxa de 2,9 óbitos em ações policiais a cada 100 mil habitantes, para 3,3. Em outros números, das 6.629 mortes pela polícia no Brasil em 2019, 12% foram em Goiás: de cada 10 pessoas mortas pela violência policial no país, 1 foi em Goiás.

O uso estratégico com narrativas de metas miraculosas de segurança pública, que aparentam grandes feitos, mas quando analisadas por um exame prático-discursivo mais apurado, se revelam miragens sem fidedignidade real, parece fazer da estatística uma disciplina criativa e um instrumento seletivo da comunicação pública (privada) maravilhosa e fantástica, pouco comprometida socialmente com os valores da transparência e accountability na gestão pública. Talvez, por isso, a 25ª promotoria de Justiça do MP-GO, iniciou um inquérito para investigar a omissão do Estado de Goiás por ter sido o único ente federativo a escamotear o balanço da policial. É por isso, que o pensamento livre e desinteressado, ao dar sua opinião sincera sobre a polícia militar goiana, do desembargador Adriano Linhares Camargo, causou tanto mal-estar na psicologia maquiavélica da banalização da violência estatal, que forja uma soberania e governabilidade fictícia através de um tipo de autoritarismo negacionista das técnicas modernas de governança aplicada à avaliação de políticas públicas. Que essas ideias questionadoras de consensos autoritários, obtidos através do silenciamento dos covardes ecoem sem censura e sem medo de ser infeliz em suas colocações:

“Isso não pode mais se repetir e, aliás, aqui vai uma reflexão pessoal, para mim, tem que acabar com a Polícia Militar, para mim. [...] Vejam nos jornais a quantidade de confrontos e ninguém leva um tiro. Morrem 4, 5 e 6 e isso não é por preparo, nós sabemos por que é”.

*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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