O pleito municipal de Goiânia, a exemplo do que a histórica construção da cidade representou, metonimicamente, no processo de modernização em escala nacional para o país, com a mudança de capital para Brasília, está tornando-se o tubo de ensaio para as eleições presidenciais. Em função disso, as conjunturas locais envolvendo a cidade, cuja população, em grande medida tem simpatia por Caiado e Bolsonaro, tem ganhado um relevo de grande notoriedade para os lideranças políticas de influência nacional, visando, talvez, influenciar os resultados eleitorais através também do usos de guerras prático-discursivas, mas também entre cientistas e jornalistas políticos, no caso, em busca de preditivos seguros das tendências ideológicas em ascensão, que permitam prever o cenário presidencial de 2026.
O ex-ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o atual ministro do STF Alexandre de Moraes, de certa forma, acabou influenciando na derrota do candidato bolsonarista, Fred Rodrigues, para prefeitura de Goiânia. Na véspera da eleição goianiense com pedido de busca e apreensão em desfavor do Dep. Fed. Gustavo Gayer (PL), aliado do candidato liberal Fred, favorecendo, certamente, o candidato de Caiado (UB), Sandro Mabel, levantou suspeita para "plistas" sobre possíveis atropelos regimentais com motivação ideológica, que, supostamente, reforçam a famigerada tese de maior controle legislativo e ativismo judicial por parte do Supremo.
Para além das prisões e julgamentos em massas de bolsonaristas com morte de um idoso doente na Papuda, a quem foi negado pedido de prisão domiciliar pelo ministro Alexandre de Moraes, que tem sido acusado de suposto abuso de poder institucional. Isso porque em agosto de 2024, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teve que responder questionamentos sobre decisões contra políticos e aliados bolsonaristas, mormente, aqueles que foram alvos de inquéritos, apreciados pelo gabinete de Moraes no STF. Ocorre que, a pedido de Moraes, dossiês sobre possíveis propagadores de desinformação, relativos às eleições foram disponibilizados para o Supremo sem serem observadas as etapas processuais típicas. Além disso, os documentos serviram como instrumentos informacionais de tomada de decisão do Supremo, como bloqueio de contas em redes sociais, suspensão de passaporte e congelamento de contas bancárias.
Com a mudança de posto do TSE para a ministra Carmen Lúcia, em junho de 2024, o então deputado estadual por Goiás, Fred Rodrigues (DC), perdeu o mandato em dezembro de 2023, quando sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassaram seu mandato, seguindo o voto da relatora do processo, no caso, a já citada duplamente ministra. A ação pelo indeferimento da sua candidatura, apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral de Goiás, refere-se às contas partidárias consideradas como não prestadas em 2021, relativa à eleição de 2020 para a Câmara Municipal de Goiânia. Alegando não ter sido notificado em tempo hábil estipulado pelo órgão responsável, o parlamentar conseguiu decisão favorável da juíza Ana Cláudia Veloso do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO), que retrocedeu na decisão do trânsito em julgado em seu favor no processo. Apesar disso, o Ministério Público Eleitoral (MPE) recorreu ao TSE, obrigando Fred a recorrer ao STF, após sua decisão desfavorável ao recorrido.
Julgando-se injustiçado e perseguido, vez que o caso prosperou mesmo sem nenhuma jurisprudência semelhante, e foi colocado em um julgamento digital no TSE sem direito de sustentação oral, o ex-deputado atribuiu sua derrocada à perseguição política antibolsonarista. O que fundamenta, minimamente, sua teoria de tipo causa e efeito, é que, de fato, sua passagem pelo legislativo goiano foi dada a cabo de meses após a entrega do título de cidadão goiano a Jair Bolsonaro –, homenagem proposta ainda em 2019, na verdade, pelo então deputado Delegado Humberto Teófilo e validada com a sanção da Lei nº 20.498/2019, pelo estreante Fred. Tal evento, que movimentou, de fato, a imprensa nacional, colocou em evidência tanto o deputado, como o governador Caiado e o presidente da Assembleia, Bruno Peixoto, tendo sido uma grande amarração para o amor da direita brasileira, que procurava responder à vitória de Lula.
Insufladas pelo provérbio bíblico “Diga-me com quem tudo andas, que eu te direis que és”, decisões moralmente corretas de combate ao terrorismo contra o Estado Democrático de Direito tem sido tomadas, tendo como base uma moralidade pós-positivista militante, por vezes, ao arrepio da própria Constituição.
Ao desequilibrar o placar da disputada eleição entre extrema-direita (militares e influencers) e centro-direita (industriais e ruralistas), a ação da Polícia Federal deflagrada por Moraes contra Gustavo Gayer (PL-GO), por suspeita de desvio de recursos da cota parlamentar no dia 24 de outubro colocou uma bomba midiática no comitê político do então candidato a prefeito Fred Rodrigues, que já estava em momento crítico, devido ao episódio anterior da suposta fraude na inscrição de sua candidatura e emprego na Assembleia, em que ele dizia possuir bacharelado em Direito.
Rodrigues, mesmo após ter sido cassado, era tratado no poder legislativo com status de deputado, tendo direito a cargo de alto salário na diretoria de Mídias Digital, mantendo seu gabinete intacto com sua foto na entrada, contrariando o Princípio da Impessoalidade. Durante a campanha eleitoral, o presidente da Assembleia, Bruno Peixoto, do partido do governador, passou de seu padrinho protetor a padrasto carrasco. Pressionado por Caiado, proferiu falas desabonadoras da conduta administrativa de seu diretor. Após a denúncia de Mabel por falsidade ideológica do concorrente ao pleito municipal, em função da falta de documento comprobatório de sua escolaridade, uma sindicância foi aberta também na Assembleia, o que pode redundar na obrigatoriedade de devolução dos salários. Após o escândalo, a sua foto do então diretor afastado para fins eleitorais foi removida do hall de entrada e seu gabinete fechado para reforma.
Merecidamente, Gustavo Gayer é investigado pelo desvio de recursos do gabinete para fins pessoais, no que gerou 19 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao deputado, tendo os agentes apreendidos R$ 70 mil em espécie na casa de seu assessor, que afirma se tratar de quantia referente a aluguéis de sua mãe. Questionando a suposta temporalidade oportunista dessa operação, em reação imediata a um dos seus maiores defensores nacionais, Bolsonaro afirmou em Goiânia, ao lado do seu candidato, Fred Rodrigues (PL): “Uma precipitação. Só tem em cima da direita, na esquerda não tem nada. Mas não está colando mais esse tipo de ação. E caiu para variar com o mesmo ministro do Supremo. É sempre ele, sempre o mesmo”.
Tal operação da Polícia Federal, bem como, a sua utilização na campanha política de Sandro Mabel, levou Gayer a suspeitar de envolvimento do Caiado na derrocada dele e de Rodrigues, protagonizada por Moraes, que recebeu a visita daquele, 2 dias antes do mandato contra o deputado federal, declarando que o governador será persona non grata em possível chapa presidencial que conte com o apoio do Bolsonaro: “impossível apoiar esse governador, que não tem nada de direita”; "Eu não queria acreditar que o Caiado está por trás disso (operação). Por mais que eu tivesse suspeitas, eu optei por ficar em silêncio, calado, porque eu não conseguiria acreditar que ele seria capaz disso”. O governador rebateu, sacramentando a cisão entre as direitas em Goiás, o que, certamente, atrapalhará seu projeto político presidencial, que necessitaria do apoio da família extensa bolsonarista: “Com a PF batendo na porta, foi a primeira vez que Gayer acordou cedo na vida, pena que não foi pra trabalhar”.
A vitória momentânea do pseudodemocrata Caiado, revelou-se um suicídio político. O governador de Goiás, que já era o último da fila de opção de nomes da direita para possíveis substitutos de Bolsonaro, por ter divergido de Caiado, no tocante ao tratamento da pandemia por Covid em 2020, demonstrou uma visão tacanha e localista de fazer política. E, possivelmente, clientelista também, pois que está sendo “acusado de compra de votos” pelo TRE/GO, tendo sido obrigado pela juíza eleitoral Maria Umbelina Zorzetti, da 1ª Zona Eleitoral de Goiânia, a suspender, durante as eleições, a realização do Goiás Social, programa de assistências a pessoas em situação vulnerabilidade social.
Na sequência, o Ministério Público Eleitoral entendeu que houve suposto uso abusivo da máquina pública na Campanha por parte do governador, em favor do seu candidato Sandro Mabel, durante um almoço para vereadores eleitos e suplentes no Palácio das Esmeraldas, configurando possível crime eleitoral, passível de cassação da chapa caiadista e inelegibilidade do governador.
Apesar de Caiado ter saído vitorioso da eleição 2024, com um quantitativo razoável de prefeitos e governadores eleitos do UB nacional, estruturalmente, há poucas chances de seu partido se associar com o MDB de Nunes, Republicanos de Tarcísio e o PSD de Kassab, que poderão preferir se aliar com o PL, à exemplo do que aconteceu em São Paulo, o Caiado, do alto de sua jogada provinciana de ganhar a prefeitura de Goiânia, a qualquer custo, como prova de fogo para demonstrar poderio regional, esqueceu-se que ganhar no atacado dá mais lucro do que varejo e que Goiás pode até ter se tornado sua fazenda, mas o Brasil veio sem porteira ainda não.
No dia 10 de dezembro de 2024, Caiado tornou-se inelegível e o novo prefeito de Goiânia, Sandro Mabel, cassado, em função de terem participado do banquete oficial do Estado no Palácio das Esmeraldas, após o primeiro turno. Os dois políticos do UB foram acusados e condenados em primeira instância por abuso de poder político na última eleição e favorecimento eleitoral, respectivamente. Por mais que a decisão pareça desproporcional e por mais banal que possa parecer a influência eleitoral desse evento estatal com pajelança com dinheiro público, uma coisa é clara: "não existe almoço grátis". Os vereadores estavam naquele local com todos, simbolicamente, representando os seus eleitores e, nesse sentido, o regalo pode ser interpretado como uma suposta tentativa de compra de liderança.
Para além do processo eleitoral, o fantasma do ex-correligionário de Caiado, Fábio Escobar, seguirá sendo um passivo de difícil digestão na opinião pública, que, certamente, não preservará sua imagem política, que, além disso, ainda é desconhecido por cerca de 59% dos brasileiros (GENIAL/QUEST). Dia 11 de dezembro, foi colocado em liberdade pela primeira vara criminal de Anápolis, Cacai Toledo, acusado de ser o mandante da morte de Escobar. A justificativa de que ele não representa mais ameaça para instrução processual, porque todas as testemunhas já foram envolvidas, ignora o histórico de que Cacai esteve foragido por mais de 6 meses, podendo se evadir da justiça novamente. Fato é que o elo entre Caiado e Cacai é tão próximo como um primo. Acusado de cumplicidade com Cacai, o primo do governador, Jorge Caiado coloca, pelo menos, o sobrenome de Ronaldo em um drama criminal, pouco compatível com um presidenciável.
Além de questões internas, com a vitória de Trump e a consolidação de Milei, Bolsonaro continua vivo, mesmo que inelegível. Caiado parece ter aprendido a lição que será difícil superar o Bolsonaro sem o apoio do próprio. Se confirmado a sua inelegibilidade e de Pablo Marçal, fato é que a direita só poderá contar com uma possível requentada da política do café com leite (Tarcísio com Zema). Com os problemas de saúde de Lula se avolumando, em função da idade avançada, a esquerda poderá ter engolir o picolé de chuchu, que traz como passivo a memória do antigo rival do PT, o PSDB do FHC. "Os alckmistas estão chegando..."?
*Frederico Assis Brasil é professor Urbanidade na UFSJ, com doutorado no Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da UFRJ e idealizador do Oposição com Liderança.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.