Assisti ao filme "Ainda estou aqui" na sua estreia, já faz mais de uma semana e ainda sinto a reverberação dele dentro de mim. Sinto ao ver o impacto dele nas pessoas, sinto ao ver a Fernanda Torres, Selton Melo e Fernanda Montenegro falando de suas sensações ao viver esses personagens.
Eu e meu marido fomos assistir no primeiro dia de exibição como prática de quando aguardamos muito um filme, até porque os filmes que costumamos gostar de ver no cinema não costumam ficar por muito em tempo em cartaz em Porto Alegre. Fomos na sessão da noite, sala cheia. O filme começou, rapidamente os risos de quem observava o cotidiano de uma família deram espaço para um silêncio sepulcral. Aos poucos, o silêncio era intercalado com o fungar do choro. Encerrou-se o filme com a sala inteira chorando e, com força, aplaudindo. Aplausos, algo que não acho tão comum em Porto Alegre.
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O filme é lindo, sensível e alegre até onde é possível ser. O cotidiano daquela família é como o cotidiano de muitas famílias. Encontros, almoços, jantares, cinco filhos e suas vontades, brincar na rua, uma mãe, amigos, um pai muito presente, amável, dedicado, atento. E um sequestro.
Quando comecei a chorar tive a sensação de que chorava por mim, mas principalmente por Eunice que foi impedida de chorar, de sentir dor, porque não havia tempo nem permissão para o sentir. Vivemos com a família um drama que não é uma ficção. Eunice vê seu marido sendo sequestrado e sorri com um até logo, depois ela é levada junto com a filha adolescente e ambas são torturadas.
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Ainda estou aqui!
Ainda estamos aqui!
Ainda estão aqui!
A ditadura segue aqui reverberando, não é passado é presente!
O presente é composto pelo passado e pela própria ideia de futuro, nossas escolhas determinam a todo o momento como será esse hoje e o amanhã.
Rubens Paiva se fez presente nas telas, se fez presente corporificado em Selton Melo, numa alegria tão gostosa, que encheu nossos corações e tenho certeza de que muitos tiveram vontade de tê-lo conhecido. E quem não teve vontade de provar o suflê de Eunice, que corporificada em Fernanda Torres, deixou-nos embasbacados com tamanha força de uma mulher que, mesmo diante de tanta dor, transforma-a em ação. Mexeu comigo como ela consegue ser dona da sua própria história mesmo quando tentam roubar tudo dessa família, toda subjetividade, todo o sentir.
Queria que esse texto fosse apenas sobre o filme, sobre emoções e de repente podia até arriscar algum tipo de análise técnica, mas ao mesmo tempo que podemos comemorar que um filme nacional teve mais de 1 milhão de pessoas assistindo, salas cheias, as notícias de hoje (19/11) também são da prisão de militares que tinham planos de assassinar um Presidente eleito, seu Vice e o Presidente da Suprema Corte.
Ainda estão aqui! Uma tentativa de mais uma vez um golpe militar?! Os que a pouco tempo atrás sequestraram Rubens e o tiraram de sua família. Ainda estão aqui representantes que utilizam nomes de militares que foram torturadores da Presidenta Dilma
Rousseff e de Amélia Telles. Ainda estão aqui resquícios do golpe militar que não superamos como sociedade. Ainda hoje, vemos de forma banalizada o uso de referências da ditadura militar.
No último dia 18 de novembro fez 13 anos da Comissão Nacional da Verdade. Temos que retomar a centralidade de uma política de “Memória, Verdade e Justiça”, não poderemos aceitar uma nova lei de Anistia, é necessário responsabilizar os culpados pelo 08 de janeiro, pela tentativa de um golpe, por qualquer tentativa de volta do autoritarismo.
*Clarananda da Silva Barreira é socióloga, mestra em Gênero de Desenvolvimento e doutoranda em Sociologia na UFRGS
**Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum