DEBATES

Uma distopia chamada Brazil – Por Francisco Fernandes Ladeira e Aurélia Hubner Peixouto

Munidos de seus computadores de mão, patriotas amantes da distopia, também chamados distopiclovers, piscam lanternas e pedem intervenção aos extraterrestres

Créditos: Reprodução
Por
Escrito en DEBATES el

A palavra utopia, que significa um lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos, ficou mundialmente conhecida após o lançamento do livro homônimo, de Thomas More, que narra a história de uma sociedade praticamente perfeita. Peçamos licença a More e imaginemos na direção contrária, uma organização social que caminhe no sentido oposto ao de sua utopia: ou seja, a “distopia”.

Historicamente, o termo “distopia” está associado a um lugar ou estado imaginário, em que se vive sob condições de extrema opressão, desespero ou privação. Vamos imaginar uma distopia chamada Brazil. Ao contrário da sociedade utópica (praticamente inalcançável), o “êxito” do Brazil é simples e fácil, basta acreditar, pois tudo depende de um único fator: não torcer contra e não contestar o minto.

Nessa sociedade distópica, o mandatário, em vez de colocar em prática uma política de governo eficiente, que beneficie a população, prefere atacar seus adversários combatendo uma suposta ameaça comunista enquanto seu Ministro da Economia manipula um sistema financeiro inteiro para seu próprio lucro.

O Ministro da Educação não está preocupado em melhorar o sistema de ensino; suas atividades favoritas são perseguir professores e insinuar que estudantes de universidades públicas plantam maconha e fazem balbúrdia, atacar os povos amigos com piadas xenofóbicas além de distribuir dinheiro entre pastores evangélicos.

Durante a pior crise sanitária da história, o Ministério da Saúde não foi dirigido por alguém da saúde, mas sim por um militar estrategista, que teve como grande estratégia malocar vacinas e remédios em grandes quantidades até que tudo estragasse. Ainda neste período, quando um vírus de alta potencialidade letal circulava entre a população, o mandatário incentivava as pessoas a saírem às ruas e se contaminarem como ‘homens’, ou a tomarem vermífugos em doses tóxicas para prevenir a infecção viral, o que ocasionou a morte de uma parcela do gado.

Na distopia chamada Brazil não há laicidade estatal. Lobos em pele de pastores que enriqueceram rapinando e depenando pobres e crédulas ovelhas têm grande influência no governo e aproximam as forças armadas dos templos evangélicos.

Idólatras de armas, de submissão feminina e violência doméstica como direito paterno se autointitulam “cidadãos de bem”, defensores da família e patriotas (apesar de baterem continência para bandeiras imperialistas).

Em contrapartida, cidadãos do bem, religiosos que estão ao lado dos pobres e pessoas que lutam por igualdade e direitos humanos são severamente perseguidos, e muitas vezes assassinados...

Na política ambiental, a sociedade distópica possui um direcionamento simples e eficaz, pautado pelo exemplo do minto que pesca em local proibido e pune o guarda que lhe multou. Se alguma pesquisa científica apontar o aumento de áreas desmatadas em uma determinada formação vegetal, a solução é despedir quem divulgou tais dados.

Em distopia Brazil, toda a corrupção governamental será vista como natural, pequena e aceitável pelos mesmos energúmenos que apoiaram seu minto para combater a corrupção.

No Brazil ‘ideologia’ é o conjunto de ideias da oposição, e o conjunto de ideias do governo é a ‘verdade’, que, aliás, circula em grupos de WhatsApp enquanto jornalistas difundem fake news. O desprezo pelo conhecimento científico é uma das marcas de Brazil, onde chips chineses são implantados nas pessoas através das vacinas, a Terra é plana, a Pepsi é adoçada com células de feto, a teoria da evolução foi substituída pelo criacionismo e pandemias são invenções da esquerda para desestabilizar os governos de extrema direita e arrasar a economia.

Nessa mesma linha, a história é reescrita, sem “viés ideológico”. O Brazil não atravessou uma ditadura militar. O nazismo é de esquerda. E a escravidão de negros não existiu. Muitos habitantes da sociedade distópica brazileira vestem as cores nacionais e vão às ruas pedir pela perda de direitos sociais e pela entrega das riquezas nacionais para povos estrangeiros (considerados culturalmente superiores).

Munidos de seus computadores de mão, patriotas amantes da distopia, também chamados, distopiclovers, que desejam aniquilar o sistema judiciário e implantar o Mad Max piscam lanternas e pedem intervenção aos extraterrestres. Outros moradores de distopia menos pretensiosos prestam total devoção a pneus de caminhão.

Mas não há distopia que dure para sempre, e, sob efeito de muita amarração e torcida contra, a distopia chamada Brazil chega ao seu fim, deixando um extenso gado triste, arrasado, deprimido.

Mas o choro é livre, e não há razão para os distopiclovers se desesperarem… Logo ali já nasce uma distopia novinha em folha, com um minto ainda mais “loco”... E, exceto os que estão impedidos pelas suas tornozeleiras do orgulho, o gado distópico do Brazil é livre para migrar e receber salários em carne, leite ou bitcow…

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp

*Aurélia Hubner Peixouto é doutoranda em design na Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação na Universidade Europeia.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.