OPINIÃO

Mundo se despede das atribulações políticas e naturais de 2023 - por Heba Ayyad

Neste artigo, tentaremos analisar os incidentes mais importantes de 2023 na perspectiva das Nações Unidas.

Terremoto na Turquia.Créditos: Ivan Finotti/Folhapress
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Nos despedimos de mais um ano, cujas lembranças dolorosas permanecerão gravadas em nossas mentes por muitos anos. As crises do ano anterior trouxeram suas complexidades para este ano, sem perspectivas de solução. Algumas delas entraram na fase de estagnação, como as crises intratáveis na Líbia e no Iémen, e algumas aumentaram em complexidade e dificuldade, como é o caso na Palestina e na Síria.

A nível global, o continente africano testemunhou vários golpes de Estado que levaram muitos países a livrarem-se do legado do colonialismo francês e da sua exploração da riqueza dos povos. A guerra ucraniana também continuou a deixar sua sombra num mundo que procura o fim da hegemonia estadunidense e de suas tentativas de quebrar os novos eixos que querem e impulsionam um mundo multipolar, reformulando as relações internacionais de uma forma mais justa e representativa do mundo de hoje, exigindo a expansão do número de membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança.

Nesta revisão, tentaremos analisar os incidentes mais importantes de 2023 na perspectiva das Nações Unidas.

A guerra russo-ucraniana

A guerra russo-ucraniana continuou ao longo deste ano e entrou agora no vigésimo segundo mês. Não parece haver uma solução rápida para os confrontos que se avizinham. A guerra genocida em Gaza contribuiu para desviar a atenção da guerra na Ucrânia, o que ajudou Putin a fortalecer suas posições e a consolidar o controle sobre as áreas que controla sem causar um alvoroço global.

A guerra deixou mais de 6 milhões de refugiados, acolhidos pelos países europeus vizinhos "porque se parecem conosco", como afirmou o Primeiro-Ministro da Bulgária. Além dos 18 milhões que necessitavam de ajuda humanitária, pelo menos 10 mil civis foram mortos na guerra, incluindo mais de 560 crianças, e mais de 18.500 outros ficaram feridos. O vislumbre de esperança que as Nações Unidas concluíram em cooperação com a Turquia, a Iniciativa de Grãos do Mar Negro, em julho de 2022, que contribuiu para aliviar o fardo da escassez de cereais nos países pobres, foi cancelado pela Rússia durante o primeiro ano da iniciativa, depois de as Nações Unidas conseguirem exportar 30 milhões de toneladas de grãos, grãos ucranianos.

A Guerra do Sudão: Outro fracasso

Em 17 de novembro, o Secretário-Geral das Nações Unidas nomeou Ramtane Lamamra, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros argelino, como enviado especial ao Sudão, sucedendo a Volker Perthes, após o governo militar declarar o fim da missão "UNITAMS". A UNITAMS foi criada em 2020 para apoiar a transição sudanesa para um regime civil. Em dezembro de 2022, foi alcançado um acordo-quadro para transferir o poder a civis três anos após eleições democráticas.

A guerra civil eclodiu em 15 de abril, liderada pelas Forças de Intervenção Rápida de Mohamed Hamdan Dagalo. A crise intensificou-se com intervenções árabes e internacionais, buscando fragmentar países em apoio à entidade sionista. A Arábia Saudita tentou mediação com apoio estadunidense, sem sucesso. Um cessar-fogo de sete dias pela IGAD pode ser um passo para uma solução após ambas as partes reconhecerem a inviabilidade militar.

O Sudão tem 7,1 milhões de deslocados internos, incluindo 3,3 milhões de crianças. Mais de 9.500 mortos, excluindo feridos. Tensões alimentadas por armas, influxo externo e risco de conflito regional.

A guerra de aniquilação contra Gaza: um veto repetido

O destaque deste ano foi a guerra contra Gaza pela entidade sionista e aliados europeus após ataques palestinos. Durou seis horas, resultando em bases destruídas e 240 reféns. Israel respondeu com um ataque abrangente, cortando recursos e bombardeando Gaza até 21 de outubro, seguido por um ataque terrestre.

Todos os funcionários das Nações Unidas, jovens e velhos, incluindo o Secretário-Geral, com exceção de Francesca Albanese, Relatora Especial para os Direitos Humanos no Território Palestino Ocupado, correram para condenar o Hamas, considerá-lo uma organização terrorista e condenar a 'Operação Terrorista'. Por outro lado, os Estados Unidos e seus aliados europeus responderam e voaram, um após o outro, em solidariedade com a entidade sionista, considerando o apoio uma luz verde para fazer o que quisesse. Impulsionada pelo instinto de vingança, a força aérea começou a bombardear o povo de Gaza em toda parte. Nenhuma escola, hospital, agência internacional, clínica médica, complexo governamental, creche, centros de abrigo ou armazéns da Agência Palestina de Assistência e Obras aos Refugiados Palestinos (UNRWA) permaneceram sem serem bombardeados, e o número de vítimas começou a aumentar no dia seguinte.

As incursões e a violência dos colonos na Cisjordânia e em Jerusalém também aumentaram de forma sem precedentes desde 2005. As Nações Unidas não conseguiram dissuadir Israel devido ao guarda-chuva de proteção que os Estados Unidos formaram para a entidade. Os Estados Unidos usaram seu veto duas vezes, e a Rússia não conseguiu aprovar seu projeto de cessar-fogo por duas vezes. A única resolução adotada pelo Conselho de Segurança é o projeto de resolução maltês (2712), aprovado em 15 de novembro, que apela a uma trégua humanitária para a entrega de ajuda. A Assembleia Geral adotou duas resoluções, a primeira em 26 de outubro, apelando a uma trégua humanitária, e a segunda na terça-feira, 12 de dezembro, solicitando um cessar-fogo imediato. No entanto, a entidade sionista não se importou com as decisões como se elas não tivessem ocorrido. Houve uma pausa de sete dias para a troca de prisioneiros, mas o extermínio recomeçou de forma mais feroz. Os Estados Unidos ainda rejeitam um cessar-fogo.

Desastres naturais

O ano de 2023 foi marcado por grandes desastres naturais. O terremoto na Turquia e na Síria, em 6 de fevereiro, com epicentro em Kahramanmaras, atingiu uma magnitude de 7,8 na escala Richter, seguido por outro de magnitude 7,5 em Ekin Ozu. Esses eventos resultaram na perda de mais de 56 mil vidas na Turquia e cerca de 5 mil na Síria, deixando centenas de milhares de feridos e enormes danos materiais. As Nações Unidas lançaram apelos de ajuda humanitária no valor de 400 milhões de dólares para a Síria e mil milhões de dólares para a Turquia.

Em 8 de setembro, um terremoto de magnitude 6,8 atingiu a região de Al Haouz, em Marraquexe, causando cerca de 3.000 vítimas e 5.500 feridos. Marrocos recebeu ajuda de quatro países, mas a população mostrou solidariedade. Em 10 de setembro, a cidade líbia de Derna foi inundada devido ao furacão Daniel, resultando em grande devastação e necessidade de ajuda humanitária. As Nações Unidas lançaram um apelo de emergência de 71,4 milhões de dólares para auxiliar as vítimas.

Quanto às declarações, o Secretário-Geral Guterres, em 24 de outubro, durante a reunião ministerial do Conselho de Segurança sobre a situação em Gaza, destacou as condições difíceis enfrentadas pelo povo palestino, mas condenou os ataques do Hamas. O representante da entidade sionista, Gilad Erdan, reagiu pedindo a demissão do Secretário-Geral.

O número de vítimas da organização internacional atingiu cerca de 160 pessoas, incluindo 135 da Agência Palestina de Assistência e Obras aos Refugiados Palestinos (UNRWA). Este é o maior desastre ao qual as Nações Unidas já foram expostas em sua história.

*Heba Ayyad é jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum