O cenário da educação do Brasil, quando visto a partir dos rankings de desempenho em testes nacionais e internacionais - como o IDEB e o PISA - nos inspira profundos cuidados. Ainda que possa apresentar evoluções aqui ou ali, fica latente que algo está faltando para conseguirmos dar o salto de qualidade necessário para sairmos das posições finais e irmos às posições iniciais dos rankings.
O que nos falta? Além do necessário aprimoramento do investimento e da necessidade de falarmos da descentralização do mesmo, é fundamental entendermos também como os países que conseguem os melhores resultados estão alcançando estes feitos.
Em comum, entre os atuais “líderes” desta corrida, o absoluto tabu para lidar com os temas da atualidade - e a transversalidade deles. É inexorável entendermos que - especialmente na educação pública, aquela capaz de mudar a vida das pessoas e todo um contexto social - já passamos da hora de uma reformulação de prática que nos permita ver estudantes como pessoas completas e complexas, que precisam ser estimuladas a ir além da "decoreba" ainda em vigor.
É nesse quesito que o universo dos jogos eletrônicos pode cumprir importante papel.
Na sociedade do século XXI, onde o conhecimento está à distância de um clique, faz cada vez menos sentido aprender e decorar conteúdos em “caixinhas” separadas, fechadas em questões tão teóricas que quase não se entende sua aplicação na realidade.
Assim, só faz sentido pensarmos na escola do século XXI, se conseguirmos entender que estamos cada vez mais distantes do operário responsável por ser operador de uma etapa simples da produção industrial do século XVII - e, portanto, modificarmos o modelo de ensino que embasava aquela sociedade.
Precisamos engajar os estudantes no processo de ensino-aprendizagem, mas não somente, precisamos dar a eles os desafios de entender o mundo como se apresenta a eles, para além dos paradigmas que formam a visão de mundo dos educadores dos tempos atuais.
Enxergar a tecnologia - especialmente os jogos eletrônicos - como “inimigos” é o primeiro passo que damos para seguirmos o caminho inverso ao que os estudantes seguem. Se queremos que eles aprendam, deveríamos tirá-los de onde estão, à fórceps, ou deveríamos encontrá-los onde eles curtem estar? Não parece uma decisão difícil de tomar.
Os games não são responsáveis pela reprovação ou pelo desinteresse de ninguém na escola. A contrario sensu, são responsáveis por estimular a busca pelo conhecimento a partir dos desafios postos em tela por jogos que nem precisam, necessariamente, serem intitulados educativos.
Quer um exemplo? Pergunte a qualquer estudante sobre o período renascentista e faça a mesma pergunta a um jogador de “Assassin’s Creed”. Ou mesmo tente que um estudante cite 118 elementos da tabela periódica e assista-o falhar, mas peça para que ele fale o nome dos 1.008 Pokémons atuais e veja-o citar sem dificuldade.
São exemplos banais que podem ser testados em qualquer escola, mas inúmeras instituições têm se dedicado, ao longo dos últimos 30 anos, à realização de pesquisas que respondam a pergunta se, afinal, os games são amigos ou inimigos da educação.
A University of Florida College of Public Health and Health Professions apontou que apenas 10 sessões de jogo são capazes de gerar efeitos permanentes em memória, no raciocínio e na velocidade de processar informações;
O LTS (espécie de MEC da Suécia) promoveu sessões de 20 minutos de jogo por dia, ao longo de 9 semanas. Observou que o desempenho em matemática melhorou 50%, bem como afetou positivamente o comportamento;
O Pew Research Center (instituto de pesquisa dos EUA) identificou que os games promovem melhora na questão da socialização, com mais de 70% dos jogadores buscando estar junto (presencial ou virtualmente) com alguém na hora do jogo.
A universidade de Harvard aponta que até mesmo no mercado de trabalho o jogador de videogame é mais valorizado. Acostumado a trabalhar em equipe, agir velozmente e tomar decisões baseadas em dados e com grande velocidade, esse é um daqueles “profissionais do futuro” tão buscados nos dias atuais.
Nesse dia do estudante, precisamos entender a quem serve o processo de ensino-aprendizagem e, com isso em mente, observar como fazer para atingir o alvo maior de todo esse processo. Para isso, é fundamental aprendermos a “jogar o jogo” do estudante, entendendo e interagindo com os limites da ferramenta e, claro, interferindo nela para que possamos tirar todos os benefícios para avançar para as próximas fases. Assim, do lado deles, no cenário do estudante. Ou game over.
*Márcio Filho é presidente da RING (Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do estado do RJ) no biênio 2022-2024, Diretor de Produtos da GF Corp e especialista em games & sociedade.