“Bela, recatada e do lar” anunciava a capa da revista Veja onde se lia nas entrelinhas o que seria a primeira-dama “ideal”: “mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura do joelho, e sonha em ter mais um filho”, um “exemplo” pra mulher brasileira. Janja, à parte de ser bela, é o oposto dos demais. Ao falar de figuras públicas não se trata apenas de comparações das pessoas em si mesmas, mas do sujeito, do perfil, o “modelo” que está colocado para a sociedade como exemplo a ser perseguido.
Bela? Janja é linda! Mas não é a beleza que a define, tampouco este é o traço mais marcante de Janja ou determinante para o grande espaço que conquistou na política e no coração de Lula e do povo brasileiro. Recatada? Jamais! Janja é uma mulher forte, firme em suas convicções e sem medo ou pudor de colocá-los fazendo críticas construtivas até mesmo ao governo do marido, como no evento de assinatura da medida provisória para retomada de obras em escolas, no Ceará, quando Janja reclamou da ausência de mulheres na foto de assinatura, ou seja, do registro histórico do momento, e após ser chamada a discursar Janja reforçou o papel fundamental das mulheres para o fortalecimento do Ministério da Educação. Do lar? Janja é nitidamente uma mulher que ocupa espaços públicos e, mais que isso, abre espaço para que mais mulheres ocupem espaços de poder, que não apenas estejam em processos de contribuição não reconhecida, mas que se sentem à mesa na tomada de decisões e sejam reconhecidas na política e na história! Talvez por isso tanto ódio tem sido fomentado à primeira dama: seja pelo incômodo da direita conservadora e reacionária que espera o papel decorativo, submisso e do lar, que ainda deseja que as mulheres sejam apenas reprodutoras da vida e cuidadoras, façam alguma caridade eventual e se restrinjam a balançar a cabeça concordando, a sorrisos tímidos e voz doce e baixa; seja pela parcela da esquerda que é hipócrita e conservadora, pois a despeito dos belos discursos de companheirismo, no fundo ainda quer conservar a fotografia monocromática de homens fazendo política e história e não aceitam partilhar espaços, não suportam sentir seu poder encastelado “ameaçado” por mulheres que ocupam o espaço público e lutam pra que outras mulheres também o ocupem.
Ora, dizem que Janja dá “‘palpites demais” no governo. E eu pergunto: quem de nós esteja na presença do Lula não iria dar sugestões e fazer pedidos? Não é isso que fazemos todos nós quando nos posicionamos na política? Janja passou por todos os maus momentos recentes de Lula junto com ele e há aqueles que o abandonaram e tem a coragem de dizer, agora que ele está presidente de novo, que eles têm o direito de dialogar sobre política com Lula, mas Janja não pode? Isso cheira a machismo, tem cara de machismo, tem roupa de machismo, seria o que senão machismo? Recalque também talvez, é evidente.
Certo é que Janja Lula da Silva representa um enorme contingente de mulheres que correm dia a dia, trabalham o dobro pra receber a metade que os homens e talvez ter algum reconhecimento, que tem duplas, triplas jornadas, que seguram as pontas em relacionamentos nos momentos mais difíceis, que defendem seus familiares, mulheres fortes, que cumprem um papel que talvez muitos homens não aguentariam passar 2 dias na pele da mulher brasileira. Janja representa as mulheres que cuidam do trabalho, do lar, e ainda vão pro bar se divertir, pro samba, pro rock, que ocupam espaços na política e são questionadas por suas roupas (arrumada demais é metida, desarrumada é desleixada), pela voz, pelo cabelo, que viram notícia por motivos como esse, que passam por assédio moral, são subvalorizadas, não são reconhecidas em todo o potencial e trabalho que desempenham. Representa as mulheres que estando em casa ou nos púlpitos, o fazem por decisão refletida, por escolha própria! Mulheres que não temem levantar a voz quando são desrespeitadas, pra fazer valer seus direitos, que se reconhecem como sujeito histórico de oprimidas e, principalmente, das transformações sociais necessárias para um país mais justo, igualitário e fraterno.
Verdade seja dita: o estereótipo bela, recatada e do lar não representa as mulheres brasileiras, representa apenas os anseios de uma elite mórbida, ignóbil, estéril. Janja é correria, é mulher que não abaixa a cabeça pra ninguém, que não aceita menos do que é e merece, não teme o afeto e nem uma racionalidade amorosa, dá a mão a outras mulheres para que ocupem cada vez mais espaços. Janja é a inspiração que as mulheres e meninas brasileiras necessitam e merecem. Janja é uma de nós lá! É fera, revolucionária e de amar! E tem muita retaguarda das mulheres brasileiras: ninguém toca na nossa Janja!
Bruna Matos é economista formada pela Universidade Federal de Viçosa. Trabalha como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados. É da Coordenação Executiva Estadual do PT de Minas Gerais, da Comissão Nacional de Assuntos Educacionais do PT Brasil, membro da Coordenação Nacional da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara e da Coordenação Nacional da Articulação Brasileira pelo Pacto Educativo Global. Integra o Comitê Gestor da Frente Nacional Contra a Fome e Sede e o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Minas Gerais - CONSEA MG.