Parlamentares da “Bancada da Bala”, disfarçando intenções ocultas sob o escudo de um “senso de dever” policial atrelado a um bom-mocismo distópico (pois Jimmy Markum, de “Sobre Meninos e Lobos”, é tudo, menos mocinho), estão se dedicando nos últimos dias a tratar do óbvio: dizer que não há segurança nas escolas. Aliás, quando houve? Onde há? Essa é uma discussão mais profunda, mas vale a pena arranhá-la.
É a partir de obviedades e de verdades simples que se constroem as mentiras mais complexas e sujas. Sim, não temos segurança, e não, não há segurança no mundo que resguarde uma sociedade adoecida por ódio. No entanto, é oportuno aos parlamentares da Bancada da Bala não abordarem essa segunda questão, pois exigiria deles muito trabalho e pouco retorno – inclusive para seus sócios, amigos e parentes. Explico na sequência.
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Como “do limão se faz a limonada”, esses parlamentares, cuja composição dispõe de ex-policiais, vendem suas soluções fáceis, diluídas em muita água e açúcar, para fomentar e não azedar as ilusões das turbas. Esses ex-policiais que falam com a autoridade, assertividade, numa mistura de estampas, ora estão certos por conta de seu tempo de polícia, ora a partir de alguma pós, ou especialização da vida, acadêmica ou não. Tudo isso, aliás, é uma hipocrisia dantesca, pois vivem de escrachar os especialistas de verdade, os estudiosos, com base em seus currículos pífios, e que autoridade suprema teríamos, enquanto policiais – e estou inserido nesta autocrítica, quando estamos dentro do pior e mais letal país no quesito Segurança Pública em todo o mundo. Não sabia? Um em cada dez assassinatos no mundo ocorrem no Brasil, somos campeões também nos homicídios de população trans, o 7º lugar em feminicídios e mortes no trânsito e novamente o primeiro, já estava esquecendo, em mortes por armas de fogo.
Por conseguinte, as “soluções” são apresentadas e a limonada só tem gosto de açúcar, mas o que esperar, vindo de onde veio? Entre as propostas supostamente resolutivas, estão a instalação de detectores de metais nas escolas, o ensino de defesa pessoal para professores, colocação de segurança armada nessas instituições – seja por policiais ou profissionais da segurança privada - durante o período de aulas e até a oferta do porte de arma para professores. Ressalto que esta última hipótese me surpreendeu bastante, haja vista professores, em boa parte, serem vistos pela bancada bélica como inimigos da pátria e comunistas. Nada que um populismo armamentista iletrado não resolva, não é mesmo? Coerência não enche barriga e não alimenta os anseios imediatistas enfurecidos desse grupo.
Além disso, quando se fala em segurança no Brasil, só se pensa na instituição “Polícia”, mas se pensa errado. O maior contingente nesta área é formado por vigilantes. Estima-se, reunindo vigilantes registrados e não registrados, que tenhamos mais de 1,1 milhão de trabalhadores nesse setor, o que é um pouco superior ao número total de policiais existentes no Brasil. São mais de 2.500 empresas de segurança privada regulamentadas, fora os pequenos grupos que atuam na clandestinidade.
Em virtude do conflito de interesses, policiais, por lei, não podem ser sócios-administradores dessas empresas. Imaginem um delegado, ou um coronel responsável por atender uma região e, ao mesmo tempo, sendo dono de empresa de segurança privada. Este gestor vai se interessar pela eficiência do trabalho das forças estatais? Se a polícia for efetiva, o lucrativo “bico” passa a ser desprezado, desnecessário. Assim, a legislação tem sua lógica, mas, como toda legislação, há limitações que ensejam subversões legais. Aproximadamente 1/4 dessas empresas têm em seus quadros societários policiais, sendo que isso não abarca os que são sócios ocultos destas, inclusive na qualidade de administradores de fato, o que é ilegal.
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Num levantamento de mercado, sem grandes pretensões, encontramos um detector de metais fixo por R$ 7 mil – foi o mais modesto de que conseguimos obter informação. Temos no ensino básico cerca de 170 mil escolas e 55 mil creches públicas, ou seja, 225 mil instalações que precisariam ser atendidas. Os fabricantes desses materiais, em grande parte ligados a empresas de segurança, teriam um ganho bilionário. Aposto que estão curiosos pelo cálculo. Bem, para instalar um destes detectores em cada prédio escolar, o valor estimado, por baixo, seria de R$ 1,5 bilhão. Necessário acrescentar que escolas de médio e grande porte teriam de adquirir mais de um desses equipamentos para dar vazão à entrada de alunos, professores e funcionários.
Ora, é muito dinheiro, e dificilmente sua aquisição seria suportada por grande parte das prefeituras e estados. E quem aparece aqui? As empresas de segurança, as quais comprarão os equipamentos e alugarão o seu uso e manutenção para o Poder Público. Mas a torneira ainda não pode ser fechada, pois precisaríamos dos operadores destes equipamentos. De que serve um detector de metais caríssimo, sem uma pessoa qualificada ao seu lado para operá-lo? Quem fará as vezes será o porteiro da escola? Será contratado o auxílio de segurança privada, que é consideravelmente mais caro do que um porteiro contratado por prefeitura? Soluções boas para o bolso!
E se já não bastasse tanta gente lucrando com tudo isso, há o quinhão a ser destinado para os cerca de 2 mil clubes de tiro que temos no país, uma vez que, com o aumento do número de seguranças privados, esse pessoal precisará de treinamento, e quem será que vai realizar isso? Os clubes de tiro, os quais, não por coincidência, são comumente geridos também por policiais, e nossos parlamentares não podem se esquecer dos seus amigos, e nem da sua base.
Devo estar com má vontade e me esqueci de que há propostas também direcionadas à adição de policiais em escolas, o que fugiria à lógica do bolso. Quisera eu! São 220 mil prédios (apenas públicos) e, para dar conta deles, se faria necessário, por baixo, a adição de 440 mil policiais, e estou sendo modesto, até porque incorreria num risco grande para estes policiais trabalharem sozinhos, não é o indicado pelas lições básicas de segurança. Teremos assim de ter pelo menos dois policiais por escola. Ocorre que esqueceram rápido os meus ex-colegas, ao proporem um só por escola, o risco destes policiais, tanto por suas respectivas armas, como por sua morte. Não se olvide que policiais são capitais interessantíssimos no mundo do crime.
Fora isso, policiais adoecem, gozam férias, tiram licenças, e outros terão de ocupar seus lugares. Desta forma, talvez, principalmente nas escolas que funcionam no horário noturno, haverá um revezamento de equipes, o que fará dobrar a demanda necessária de policiais. Mas vamos fingir que esses detalhes não existem. Como disse, até para afastar qualquer suspeita de má vontade, serei um muquirana em todo esse texto.
Assim, com esse incremento de policiais, ou de vigilantes, o que será necessário? A aquisição de armas, coletes e outros itens em grande quantidade. Aqui surge o grande agente oculto por trás de tudo isso: A indústria de armas, a patroa de boa parte dos membros da Bancada da Bala, é a ela a quem eles servem em primeiro lugar. Essa indústria busca para seus ganhos propagandear um Estado Policial. Faturaram alto no governo Bolsonaro, terminando o ano de 2021, se comparado ao ano de 2018, com mais de 300% de lucro no setor. Aliás, deveriam os membros dessa bancada ter uma camisa com a seguinte inscrição: “Washington Luiz Vive!”. Suspeito de ser dono da célebre frase: “A questão social é uma questão de polícia”, realmente ele foi milimétrico dentro do que ocorre no Brasil.
Mas a pior parte a tratar é o treinamento de defesa pessoal para professores e o porte de armas conferidos a estes. Professores, que pelo valor de sua profissão deveriam ser reverenciados, são muitas vezes achincalhados por esses mesmos políticos que trazem essas propostas esdrúxulas e interesseiras. Não bastasse todo o mal social que causam, transformando com suas palavras e opiniões professores em vilões e alvos de pais e alunos, não bastasse, querem tornar os professores alvos de um próximo lunático que invadir uma escola, ou de criminosos. Todo dia que o professor chegasse a escola ou saísse dela ele seria um alvo em potencial, uma arma no mercado paralelo pode valer de R$ 4 mil a R$ 8 mil. Os policiais ao menos podem fazer uso de algum anonimato. E os professores, vão dar aula de balaclava? A acrescentar, temos no ensino básico 2 milhões de professores. Qualquer cálculo em cima disso é estratosférico.
Esses ataques são muito menos um problema de segurança pública, do que uma questão cultural, formativa, política e educacional de nosso povo. A polícia tem muito menos a dizer sobre isso.
O que há em comum entre todos esses fanáticos, covardes, que atacam escolas? Todos provavelmente passaram pela escola, assim como aqueles que vieram a cometer feminicídios, e atentaram contra a dignidade sexual de alguém ou são racistas. Os profissionais da educação são mais do que apenas vítimas, são os que podem falar em primeira ordem o que fazer, como minimizar tais resultados dentro desse espaço. O que está faltando para os nossos jovens que a escola possa contribuir? Me arrisco a dizer que, muito melhor, não só para o ambiente escolar – mas para toda a população – seriam, ao invés de caros detectores de metais, termos o desenvolvimento de um programa efetivos de acompanhamento psicossocial dos jovens em idade escolar. Assim como programas educativos que reforcem a qualidade da convivência em ambiente escolar. Isso deveria ser o óbvio, mas estamos doentes e com medo.
Há muitas possibilidades eficientes, e há destas até gratuitas. Poderia a Bancada da Bala, ex-policiais parlamentares e congêneres, cessar com a pecha de frequentemente tentar emplacar em professores e ambientes escolares como nocivos aos alunos e a sociedade, e acabar com essa retórica que só destrói o sentido jurídico da paz social, tão necessária ao estado democrático de direito. Erra-se em criminalizar ou em armar os professores! Erra-se em levar o ódio político para dentro das escolas!
*Pedro Paulo Chaves Mattos, o “Pedro Chê”, é policial civil, membro do Movimento de Policiais Antifascismo e do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e Relações Públicas do Observatório da Violência da UFRN.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.