RÚSSIA

A Guerra e as guerras – Por Jean Wyllys

O que se vê na imprensa brasileira em relação à Guerra da Ucrânia, Rússia, China e o esforço de diplomacia de Lula não passa de uma mistura de bullshit com o que Hannah Arendt chamou de “mentira organizada”

Jean Wyllys.Créditos: Instagram/Reprodução
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Em primeiro lugar, quero deixar claro que não nutro qualquer simpatia pelo narcisista Vladimir Putin, presidente da Rússia, ou qualquer outro autocrata ou aspirante a ditador em todo mundo. Como igualmente tenho ojeriza de títeres ou fantoches com máscara de “democratas” que servem a outros tipos de tirania, como a da indústria das armas e a do mercado financeiro, como é o caso de Zelensky, presidente da Ucrânia. 

Dito isto, vamos falar da Guerra e de guerras. Em qualquer guerra, a primeira vítima é a informação honesta, sendo esta substituída pela propaganda das partes em conflito cujo último objetivo é fabricar o inimigo correspondente e “justificar” as atrocidades perpetradas de uma parte contra outra. A guerra só é boa, portanto, para quem lucra financeira e politicamente com ela. 

Com a tarefa hercúlea de recompor a democracia brasileira e inserir outra vez o Brasil entre os países em desenvolvimento do Sul Global, o presidente Luís Inácio Lula da Silva retomou sua política de relações exteriores em meio a uma nova Guerra envolvendo indiretamente parceiros comerciais do Brasil: China, Estados Unidos e União Europeia. O conflito bélico direto é entre Rússia e Ucrânia. 

Pensando no bem-estar da população brasileira - vítima nos últimos quatro anos de um governo tão incompetente quanto mafioso, cujo manejo criminoso da pandemia de Covid resultou numa crise sanitária sem precedentes e no quase genocídio do povo indígena Yanomami - Lula, como player internacional, adotou um discurso pacifista em relação a essa Guerra.

A busca de uma saída diplomática e pacifista por parte de presidente brasileiro está relacionada também às expectativas que os países do Sul Global têm em relação a seu papel na mitigação dos efeitos danosos do imperialismo e do neocolonialismo principalmente sobre as populações mais vulneráveis dessas nações: as mulheres e os povos originários. 

Ora, uma saída diplomática e pacifista requer habilidade política e disposição de conversar com todas as partes em conflito bélico e/ou comercial: é o que Lula tem e é o que ele vem fazendo. Sua postura, entretanto, desagradou aos que desejam a manutenção da Guerra por seus interesses geopolíticos e imperialistas sem se preocuparem com os efeitos nefastos desta sobre democracias e economias como brasileira.

O fato de Lula ter cobrado do presidente da Ucrânia, Zelensky, alguma responsabilidade sobre a permanência do conflito armado - e é óbvio que ele tem alguma responsabilidade na manutenção da Guerra - foi a senha para que toda a máquina de propaganda ocidental pró-Guerra se voltasse contra o presidente braseiro. E desta máquina faz parte o “jornalismo” de corporações midiáticas nos EUA, Europa e, claro e principalmente, no Brasil. 

A mídia brasileira hegemônica e de direita - amiúde insensível ao assombroso número de mortes perpetradas pelas polícias nas periferias e favelas brasileiras: número superior ao de guerras civis - correu para mostrar quão “humanitária” é na defesa dos brancos ucranianos contra a agressão de Putin a seu país. Converteu-se imediatamente em papagaio da propaganda anti-Russia do Departamento de Estado dos EUA, em que pese o fato concreto de que a Rússia, sim, invadiu a Ucrânia; assim como é fato que esta contrariou o tratado de que não integraria a Otan. 

No caso da mídia brasileira, há um plus: historicamente antipetista e anti-Lula, repleta de ressentidos de classe alta e/ou média que não engolem o sucesso mundial do operário que se tornou o melhor presidente do Brasil na história de sua República, a mídia encontrou na posição pacifista de Lula mais um motivo para tentar sabotar seu novo governo. 

Há três dias, em jornais e telejornais do Brasil, multiplicam-se as “bullshits” de jornalistas ignorantes em História e em RI e/ou de “especialistas” recrutadas para reafirmarem a posição pró-Guerra dos empresários de mídia em sintonia com Washington. Uso “bullshit” aqui no sentido que lhe confere Harry Frankfurt em seu famoso ensaio “On Bullshit”. 

Para Frankfurt, os emissores de “bullshit” não são meros mentirosos (os mentirosos sabem da verdade ainda que busquem escondê-la), mas charlatães que se prestam a falar sobre o que não sabem em determinadas circunstâncias. Daí resultam platitudes, redundâncias e lugares-comuns sem qualquer relação com os fatos e com a História. 

O que se vê na imprensa brasileira nos últimos dias em relação à Guerra da Ucrânia, Rússia, China e ao esforço de diplomacia por parte de Lula não passa de uma mistura de bullshit com o que Hannah Arendt chamou de “mentira organizada”: desinformação e propaganda política. 

Por falar em Hannah Arendt, esta não teria escrito seu opúsculo “A mentira na política” não fosse o (bom) jornalismo de verdade, algo raro nos dias de hoje. Graças ao bom jornalismo que se mantém firme em épocas de guerra, distinguindo-se da propaganda e defendendo a informação correta, pode-se descobrir toda a verdade sobre a Guerra do Vietnã.

A partir da verdade sobre a Guerra do Vietnã vieram a público não só a paranoia sem fundamento dos EUA em relação ao suposto “efeito dominó” do comunismo durante a Guerra Fria, como também todas as mentiras usados pelos governos norte-americanos para invadirem países e submetê-los à desumanidade da guerra e aos interesses econômicos dos EUA. 

Na página 432 dos Pentagon Papers (Ed. Betham Books), um memorando sustenta que 70% dos objetivos dos EUA na Guerra do Vietnã consistiam em evitar uma derrota humilhante, 20% em manter o Vietnã do Sul livre da influência da China e apenas 10% em levar liberdade e bem-estar àquele pobre país do Sudeste Asiático. 

Os percentuais revelam quase a mesma realidade em relação às agressões perpetradas pelos EUA contra o Iraque, cuja invasão foi “justificada” por uma mentira, e, depois, contra o Afeganistão. A desastrosa retirada das tropas estadunidenses e europeias deste país em 2021 prova que os EUA não são fiáveis quando os temas são direitos humanos e autodeterminação dos povos. 

Por que estariam os EUA com a razão dessa vez? 

Quando meios de comunicação abrem mão de fazer bom jornalismo em meio à guerra e se prestam a fazer “jornalismo de guerra”, ou seja, propaganda descarada para uma das partes em conflito, as populações estão muito mais vulneráveis aos danos desta guerra. 

Se em vez de fatos e análises mais complexas e honestas dos fatos, jornais e/ou telejornais oferecem “bullshits” e mentiras à sua audiência - mais que seja porque odeiam o presidente de esquerda de seu país- não é de se estranhar que o ódio fascista que ameaça e liberdade desta mesma mídia resista em desparecer dos corações das pessoas. 
 

*Jean Wyllys é jornalista, escritor e artista visual. Doutorando em Ciência Política na Universidade de Barcelona e autor junto com a filósofa Marcia Tiburi de “O que não se pode dizer: experiências do exílio”

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.