As mudanças climáticas não são uma preocupação apenas para as gerações futuras, mas uma narrativa sobre como iremos deixar o mundo para os nossos netos. As catástrofes decorrentes das fortes chuvas que assolam o país todos os anos e fazem centenas de vítimas fatais e milhares de desabrigados têm se intensificado. Uma questão também habitacional, portanto.
Para além do rastro de destruição e mortes deixado pelas grandes precipitações, é possível constatar como as cidades brasileiras estão pouco adaptadas às mudanças climáticas e aos desafios que elas nos impõem.
Se, há poucos anos, tratávamos o aquecimento global como uma realidade para um futuro próximo, temos visto agora como uma nova ordem climática já se instalou em diversos lugares do mundo. No Brasil, as fortes chuvas e as secas acentuadas têm nos oferecido uma prévia de cenários climáticos que devem se agravar ainda mais, colocando em risco a vida de milhares de pessoas.
Dotada de variadas e complexas abordagens, as emergências climáticas dão novos contornos ao papel dos municípios na prevenção de desastres e fatalidades. No que se refere à moradia digna e segura, temos ainda um longo caminho pela frente, mas que deve ser enfrentado com dotações orçamentárias adequadas, vontade política e uso de tecnologias e evidências científicas.
Planejar e executar políticas habitacionais satisfatórias e justas é um tema desafiador em qualquer lugar do mundo. Em contextos socialmente periféricos e desiguais, no entanto, essa complexidade adquire contornos mais urgentes. Combater a precariedade das habitações, reduzir o déficit de moradias e garantir condições dignas para as famílias de baixa renda são temas tão importantes quanto promover práticas de sustentabilidade e consumo consciente.
O Brasil tem um déficit habitacional alarmante, construído ao longo de uma extensa história de marginalização das classes mais baixas, que foram alocadas em áreas de risco, insalubres e sem infraestrutura. Segundo dados da Fundação João Pinheiro (2019), o país carece de aproximadamente 5,8 milhões de casas.
Se o déficit habitacional impacta pela sua magnitude, devemos olhar ainda para outras carências relacionadas à moradia no país. Ainda segundo a FJP, a cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana, por exemplo, têm cerca de 33% de seus domicílios particulares com inadequações moderadas e graves. São casas com evidente insalubridade, tomadas por umidade e mofo, instalações elétricas com risco de incêndio, desconforto térmico, riscos estruturais, entres outros agravantes.
Com o aumento das eventualidades climáticas de grande porte, os próximos anos serão cruciais para a retomada da agenda de enfrentamento da precariedade habitacional, da coabitação familiar e das ocupações irregulares em áreas de risco.
Para além de construir mais casas (que também é importante), precisamos investir em melhorias habitacionais, requalificação social de vazios urbanos e em regularização fundiária. Tornar as cidades mais resilientes e seguras, do ponto de vista habitacional, também deve ser uma preocupação de ordem climática por parte de todos os atores públicos.
*Victor Maia é professor e tradutor, com pós-doutorado pela UFRJ, além de secretário de Habitação e Assentamentos Humanos da Prefeitura de Maricá.
**Este artigo não não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.