Após assistir às cenas de terror que estão circulando pela internet do assassinato da colega professora da Escola Estadual Thomazia Montoro, da Rede Paulista, faço a seguinte reflexão.
1. Não é um caso isolado.
2. Diariamente professores sofrem violências físicas, morais e institucionais.
3. É urgente e inegociável valorizar efetivamente o trabalho do professor na sociedade.
Nas redes públicas e privadas professores são diariamente agredidos verbalmente, institucionalmente e até fisicamente. A crescente mercantilização e desprofissionalização do ofício leva a cabo um cenário de ataques de diversas naturezas. O triste assassinato desta segunda-feira (27) é o corolário de situações de violências diárias.
É importante observar que o quadro de profissionais do magistério é majoritariamente feminino principalmente nas etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental 1 (1º ano ao 5º ano), alcançando 89% de mulheres. É onde está o maior número de escolas, distribuídas geograficamente nas regiões mais periféricas das grandes cidades brasileiras. Lembrar essa informação é fundamental para compreendermos o cenário de violência contra os docentes, que também precisa ser vista sob a égide de uma sociedade estruturalmente machista, misógina e que normaliza a violência e a agressão contra as mulheres.
No entanto, a feminização do magistério não explica todas os cenários de violência, é apenas uma camada (muito importante) para compreender problemas estruturais mais profundos. A violência contra os professores é social e institucional e há anos tem sido silenciada por políticas de formação e implementação de programas que combatam as agressões contra os profissionais. E embora as classes sindicais eventualmente sinalizem essa questão, ainda não parece que foi assumido como centro das questões trabalhistas no debate da categoria.
Mesmo antes da pandemia da Covid-19, algumas pesquisas já apontavam para a situação de esgotamento profissional em cenários de violência e a perda da identidade do papel docente no exercício de sua função e atribuições, com alarmantes números que chegam a 60% de professores com esgotamento emocional e problemas de saúde mental.
Diante desse triste cenário social também é importante problematizar a política de desvalorização do profissional que há décadas faz um trabalho sistemático de aligeiramento da formação dos professores, precarização das condições de trabalho e desmonte de políticas educacionais que ampliem do diálogo com a sociedade e com as famílias. O resultado dessas ações (ou inações) tem criado uma mentalidade na sociedade de desvalorização profissional e ainda estimula a culpabilização da escola, de gestores e professores sobre situações que são reflexos da ausência de políticas sociais e educacionais.
Outro indicativo importante sobre a crescente desvalorização social dos professores é a baixa procura por cursos de licenciatura e a extinção da oferta para formação de novos profissionais. O cenário é tão grave que os jovens não sonham em se tornarem professores. Não há estímulo para o ingresso de jovens para a carreira docente.
O dia a dia nas escolas periféricas, populares ou de elite tem sido atravessado por essa mentalidade que atribui ao professor a característica de um executor de conteúdos e retira-lhe a autonomia acadêmica, profissional e didática. Esse é um advento que em maior ou menor medida tem ocorrido em outras profissões, como a medicina, o direito, a engenharia e o jornalismo. A proletarização das profissões para atender aos apetites do capital tem acentuado o cenário de adoecimento das pessoas e de violência social.
Algumas questões aqui para refletirmos sobre o dia a dia desses profissionais. Quantos professores são ameaçados cotidianamente por estudantes, familiares e instituições? Quantas vezes na carreira um docente não experimenta o medo de pais que fazem escândalos, ameaças e gritos por motivos fúteis? E quantas vezes docentes adoecem e silenciam diante desse cenário?
As pesquisas sobre os processos de formação e profissionalização de professores apontam para a crescente precarização do ofício.
Quantas vezes na carreira um professor é desautorizado pelas instituições a cumprir seu papel de educador e muitas vezes substituído por cometer a ousadia de tentar ensinar? O professor que aprende a ensinar com afeto, amorosidade e rigor acadêmico tem sido diariamente conduzido ao papel de executor de planos e apostilas alheias e perdido a autonomia intelectual. A mudança do lugar que ocupa o professor no processo de ensino e aprendizagem corroboram para a desvalorização e o desgaste social que a profissão vive.
É cada vez mais comum presenciar a desvalorização das escolas (públicas ou privadas), do ensino e dos professores. Atribuindo ao professor a culpa pela falta de acompanhamento dos familiares ou estrutura das instituições ou mesmo a ausência do Estado. Nas escolas privadas de menor porte, docentes trabalham em condições mais precárias ainda, isso sem entrar na questão da remuneração desses profissionais.
É urgente repensar o papel da Educação na sociedade. É urgente retomar o centro do papel do professor e a valorização da Aprendizagem, da Ciência e das relações no interior das escolas. Sem realizar esse debate com a sociedade, sem ouvir os profissionais, as famílias e os estudantes, o desenho das políticas educacionais terá a grande tendência de ser construído nos gabinetes e escritórios de prédios caros.
É fundamental que as relações humanas, éticas e democráticas retomem o centro das decisões políticas desde Educação Básica até a Pesquisa, que foi amplamente solapada no último governo.
O crescente pensamento da ultradireita, o acesso a conteúdos fascistas e a normalização da violência com política de estímulo às armas é também uma das raízes do aumento da violência nas escolas. A negação da cultura de paz, diálogo e democracia somados a substituição pelo pensamento reacionário radical no submundo da internet abre portas para terroristas invasores do Congresso e assassinos em escolas.
Sem colocar o estudante e o profissional no centro dessa equação, corremos o risco de assistir ao aumento exponencial de cenas como essa e continuar ignorando o silêncio de milhares de professores que adoecem calados diante de todo tipo de violência. Sem abrir canais efetivos de diálogo com a sociedade, sem criar espaços de escuta no desenho das políticas educacionais e sem conhecer a realidade profissional dos docentes e gestores, vamos continuar assistindo no noticiário cenas como a de ontem, com sério risco de normalizar a violência e a morte de profissionais e adolescentes no interior das escolas.
*Diego Moreira é professor, Doutor e Mestre em Educação: História, Política e Sociedade pela PUCSP. É Historiador e Pedagogo. É Pesquisador nas linhas de Formação de Professores, Culturas e Subjetividades
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