VIOLÊNCIA

Deixar de matar, fazer viver! – Por Tutmés Airan

Por trás da frieza das estatísticas, existem trajetórias de vidas de jovens negros interrompidas, sonhos despedaçados

Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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“A morte não causa mais espanto”.

A cada 23 minutos morre um jovem negro assassinado no Brasil. A chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 408.605 pessoas negras assassinadas no Brasil nos últimos dez anos, de forma que os negros foram as principais vítimas das Mortes Violentas Intencionais, sendo, no ano de 2021, por exemplo, 77,6% das vítimas de homicídio doloso e 84,1% das vítimas de mortes decorrentes de intervenções policiais.

Paradoxalmente, o nosso estado, Alagoas, berço do mais importante quilombo do país, o quilombo dos Palmares, liderado por um dos heróis de nossa pátria, Zumbi dos Palmares, é, desde 2015, o estado que apresenta maiores diferenças de vitimização entre negros e não negros. Em Alagoas, encontramos a maior desproporção entre estes números, visto que a chance de um jovem negro ser assassinado aqui é 18,3 vezes maior do que um jovem não negro.

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Tenho, com perplexidade e indignação, buscado compreender o estridente silêncio, salvo a honrosa exceção do movimento negro, da sociedade brasileira sobre a mortandade de jovens negros no Brasil. A rigor, esse tema segue sendo uma não questão, denotando a nossa incapacidade de perceber que esse problema diz respeito ao país.

Tal silenciamento, nos chama atenção, Silvio Almeida, decorre da capacidade do racismo estrutural, por um lado de produzir um sistema de ideias que fornece uma explicação “racional” para a desigualdade racial e, por outro, de construir sujeitos cujos sentimentos não sejam profundamente abalados diante da profusão de mortes violentas intencionais dos jovens negros.

Trata-se, como aduz Sueli Carneiro, da construção do outro, o negro, como não ser, em um processo de exclusão moral que opera para colocar os negros fora do limite em que estão vigendo as regras do estado de direito democrático. É preciso desvalorizar o negro como pessoa e, no limite, como ser humano, para caracterizá-lo como indigno de viver.

É justamente sob o signo do racismo que a mortandade de jovens negros se perpetua no Brasil, em uma longa série histórica como registra os dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM-MS), com o Estado avocando o direito de matar, seja pela ação direta de seus agentes, seja pela via da omissão ou da conivência.

Precisamos entender, de uma vez por todas, que desigualdade racial é estruturante e que para o enfrentamento da mais perversa expressão do racismo estrutural na sociedade brasileira – a mortandade de jovens negros – é necessário, para além de iniciativas tópicas, a conjugação de esforços dos poderes públicos com a celebração de um Pacto pela efetiva proteção da vida da juventude negra em nosso país.

A celebração de um Pacto Republicano Pela Redução dos Homicídios dos Jovens Negros no Brasil, pelos chefes do Executivo, Legislativo e Judiciário, possibilitará, de forma inédita, uma ampla concertação em torno de uma agenda interinstitucional comum, criando as condições objetivas e a ambiência necessária para a gestação de políticas públicas integradas, transversais, sustentáveis e eficazes para a proteção do direito fundamental à vida dos jovens negros.

Por fim, não nos olvidemos jamais de que, por trás da frieza das estatísticas anteriormente apresentadas, existem trajetórias de vidas de jovens negros interrompidas, sonhos despedaçados, mães, pais e avós que sofrem a inominável dor de prantear a morte violenta de seus filhos e netos. É preciso fazer viver!

*Tutmés Airan é desembargador coordenador da Coordenadoria de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.