DEBATES

Drogas no Brasil e o chamado à mudança de olhares – Por Matheus Felipe de Resende

Ainda que haja previsão na lei, o Brasil ainda não consegue diferenciar as figuras de “usuário” e “traficante”

O advogado Matheus Felipe Mariano de Resende.Créditos: Arquivo pessoal
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Na semana passada, a imprensa divulgou um posicionamento do ministro de Direitos Humanos, Silvio de Almeida, a respeito da necessidade de mudança de olhares para as dinâmicas relacionadas às drogas no Brasil e seus impactos. Diante de tantos registros de violências em torno da incapacidade do próprio Estado de lidar adequadamente com essas situações, a manifestação pública reacendeu o calor dos debates.

De fato, existe um discurso recorrente que potencializa o que se compreende como “cultura do medo”, demonstrando continuamente os números desastrosos em relação à segurança pública. Há uma nítida confusão entre “segurança pública” e “sensação de segurança”. Tanto é verdade que geralmente as pessoas pedem a presença de forças policiais nos espaços da coletividade. No entanto, nem sempre a presença dessas autoridades consegue garantir a segurança esperada pelas pessoas.

O primeiro sintoma está relacionado aos relatos de uma possível não padronização de métodos de abordagem. A sociedade civil organizada traz relatos de que os métodos repressivos são mais recorrentes em regiões periféricas, e isso sugere uma espécie de controle social atrelado ao cenário de vulnerabilidades. Essa afirmativa tem relação com a população prisional do país, quando da constatação de que a maior parte dessa população esteve ou está em condições de vulnerabilidade (recorte racial, baixa escolaridade, natureza do crime e outros).

Em relação às drogas, o debate está muito distante do fim. Desde o início do século XX, os EUA protagonizam um discurso hegemônico de guerra, impactando a agenda do mundo todo. O Brasil seguiu essa tendência e materializou essa perspectiva de combate em seus textos normativos, além de uma visão sanitarista do processo. É fato que o Brasil teve muita instabilidade política no passado, além de muitos governos autoritários. Mas, infelizmente, o período pós-redemocratização não trouxe mudanças tão profundas.

O cenário de hoje é muito desafiador porque existe um fundo moral que estigmatiza pessoas e grupos sociais. Ainda que haja previsão na lei, o Brasil ainda não consegue diferenciar as figuras de “usuário” e “traficante”, haja vista o fato de que quem decide isso são as autoridades que lidam diretamente com as circunstâncias da abordagem, contribuindo para os diversos casos de desrespeito à condição da figura do “usuário”. Desse modo, não há nenhuma possibilidade de construir uma política pública adequada. Soma-se a isso o discurso do medo, que faz com que o imaginário das pessoas naturalize as medidas de guerra que o Estado vem adotando nos últimos anos.

É muito importante mencionar a constatação feita pela ex-defensora pública e juíza aposentada Maria Lúcia Karam a respeito de que a produção e a comercialização de drogas não são violentas em si. É preciso que a sociedade compreenda que a violência é resultado da ilegalidade e que expõe com mais intensidade as pessoas em condições de vulnerabilidade. Ressalta-se o fato de que essa ilegalidade também colabora para a potencialização de especulação financeira mundial, cujos mercados paralelos contribuem para transações bilionárias, e isso também é caso de segurança pública.

Assim sendo, a necessidade de debate sobre a descriminalização de drogas reacende a urgência de construção de mecanismos para a diferenciação entre as figuras de “usuário” e “traficante”. Em seguida, diante da falência da política antidrogas, incapaz de atuar pelas vias preventivas e de reinserção social, a proposta caminha para a perspectiva de um pacto nacional que considere a profundidade dos problemas relacionados às drogas, sem se desapegar dos direitos fundamentais e humanos, tão bem redigidos na Constituição Federal de 1988. Esse pacto é fundamental para considerar a autonomia de todos os entes da federação, para que assumam responsabilidades de forma integrada e atuem adequadamente para a materialização da justiça social.

*Matheus Felipe Mariano de Resende é advogado, articulador em Movimento Nacional de Direitos Humanos de Minas Gerais, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG, coordenador em Projeto Rondon MG e membro do colegiado nacional.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.