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Carnaval significa alienação das massas? – Por Francisco Fernandes

Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, expoente do pensamento neocon, o carnaval é uma festa “fedorenta, suja, invasiva e destrói a cidade”. É uma das facetas do histórico preconceito contra pobres e qualquer exaltação à vida.

Marcelo Adnet como Bolsonaro em desfile na São Clemente.Créditos: Reprodução/TV Globo
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Após um hiato de dois anos, finalmente, em 2023, teremos carnaval, festa mais popular do Brasil. Por sua grande abrangência (e também pelo feriado prolongado) é praticamente impossível ficar imune ao carnaval: ame-o ou odeio-o.

Muitos de nossos compatriotas aguardam ansiosamente pelos festejos de fevereiro (ocasionalmente realizados em março). Por outro lado, o carnaval também é alvo de inúmeras críticas, supostamente por ser um período de alienação das massas, uma espécie de versão tropical do panis et circensis romano.

Segundo o filósofo Luiz Felipe Pondé, expoente do pensamento neocon no Brasil, o carnaval é uma festa “fedorenta, suja, invasiva e destrói a cidade”. Para Marisa Lobo, psicóloga defensora da “cura gay”, o “carnaval é usado para promover promiscuidade, travestido de festa turística e cultural".

Nas redes sociais, uma internauta escreveu: “Quem quer ficar seminua na rua não pode reclamar do machismo”. Ainda nessa linha de raciocínio, um professor rondoniense apontou em seu blog que o carnaval é o “ópio dos brasileiros”.

No entanto, discursos anticarnaval, como os reproduzidos acima, nada mais são do que uma das várias facetas do histórico preconceito a tudo que remeta à população pobre e a qualquer tipo de exaltação à vida.

Apesar de todos os ataques, das tentativas de mercantilização e das campanhas por sua extinção, o carnaval ainda resiste como manifestação cujo protagonismo pertence ao povo. Isso é motivo suficiente para ser odiado por setores da elite e classe média.

Carnaval não é sinônimo de alienação. Pelo contrário, nesse momento de catarse coletiva, eclodem inúmeras manifestações de descontentamento popular. No longínquo século XIX, o carnaval já era usado para problematizar a abolição da escravatura e as disputas por terras.

Posteriormente, marchinhas e sambas-enredos foram importantes instrumentos de conscientização social (para ficarmos em um exemplo recente, há cinco anos, a Escola de Samba Paraíso do Tuiuti escancarou o golpe de 2016 para o público da Marquês de Sapucaí).

Portanto, como bem disse o escritor Felipe Lucena, “alienado é quem só vê alienação no carnaval”.

Além dos argumentos ideológicos e das tentativas de despolitizar a festa mais popular do Brasil, há as justificativas econômicas contra o carnaval. Muitos afirmam que, se o poder público cancelasse os festejos carnavalescos, teríamos mais verbas para áreas como saúde e educação. Mais uma falácia.

Qualquer pessoa que entenda minimamente sobre finanças públicas sabe que o montante arrecadado nos quatro dias de folia é bastante superior aos recursos investidos. Logo, o carnaval também é altamente rentável.

Obviamente, não gostar de carnaval é um direito de qualquer indivíduo. Porém, estragar a festa dos outros, querer militar sobre a fantasia alheia ou fazer campanha pelo fim do carnaval, não são apenas atos egoístas: significa negar um dos únicos momentos de alegria ao (sofrido) povo brasileiro.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor de dez livros, entre eles A ideologia dos noticiários internacionais (Editora CRV).