Como já disse em artigos anteriores caberá à esquerda brasileira ser a principal força de oposição à ultradireita. Enfrentá-la no plano político e, principalmente, no plano ideológico. A direita tradicional e o centro não farão isso.
E não farão porque à direita tradicional e ao centro, a existência de uma ultradireita pode representar uma certa vantagem, na medida em que obriga o governo Lula-Alckmin a conceder-lhes mais espaços e a fazer mais concessões aos interesses do capital, principalmente o capital financeiro.
No terreno da política propriamente dita, esse enfrentamento é de longo prazo, mas tem pelo menos duas datas marcadas. São as eleições municipais de 2024 e as eleições de 2026. E todos vão participar das eleições de 2024 com olho em 2026.
Mas se em 2024 a esquerda repetir a sua performance de 2022 e de antes, nos últimos quinze ou vinte anos, de despolitização das eleições, de utilização dos mesmos métodos que a direita tradicional, de retraimento ideológico, vamos andar para trás. É bom não esquecer que não teremos a figura carismática de Lula nas eleições municipais como candidato. Nem mesmo como “cabo eleitoral” exclusivo da esquerda.
Outro fator de risco para a esquerda é o apoio passivo que temos dado do governo Lula.
E quando falo em apoio passivo não me refiro apenas à militância ou aos partidos, principalmente o PT, nos horários partidários de TV louvando as realizações do governo. Refiro-me também ao governo que na sua comunicação (que é uma expressão da política) limita-se a diferenciar o atual governo da gestão anterior.
E a ultradireita mantém-se na luta ideológica, pouco se importando com essa competição. E não tem perdido terreno pelo que indicam as pesquisas de opinião.
Penso que isso reflete uma questão também ideológica da esquerda: a perda do sentido da revolução enquanto transformação estrutural, de luta contra os interesses e os valores filosóficos do capitalismo na sua nova fase pós-industrial.
Mesmo as poucas medidas mais profundas de caráter estrutural tomadas pelo governo são tratadas como simples benesses para certos setores da sociedade ou para o povo. Exemplos disso são a nova política industrial e parte da reforma tributária. Temas importantíssimos que estão sendo tratados de forma absolutamente despolitizada.
Claro que as pesquisas de opinião das agências do governo revelam os sintomas do problema da despolitização. Um problema que não se resolve com marketing governamental, com campanhas publicitárias apelando para a união do povo.
União em torno de que bandeiras e propostas?
As ações do governo não são precedidas de articulação e mobilizações políticas da sociedade que permitam que essas ações se configurem como conquistas populares e não benesses governamentais.
Caberia à esquerda socialista e democrática antecipar-se ao próprio governo levantando junto à sociedade as bandeiras de luta que quando transformadas em medidas do governo representem conquistas da sociedade.
E como bandeira das bandeiras, a defesa de um projeto nacional de desenvolvimento. Algo que englobe e unifique as lutas setoriais e as demandas identitárias numa só referência de Nação. O PSB, por exemplo, apresentou na introdução de seu novo Programa a ideia de Brasil Potência Criativa e Sustentável. E definiu em poucas páginas o que seria isso.
Fortalecer a esquerda e o componente progressista do governo deveria ser o objetivo tático e estratégico mais revolucionário do atual momento.
A mim me parece que o MST é a força política que melhor cumpre esse papel de configurar, como conquista popular e social, os avanços do nosso governo. Tanto no plano político quanto ideológico. E também dando a cada fato político ou realização governamental a sua dimensão real no contexto da luta de classes, no caso do MST os latifundiários e parte do agronegócio. E isso não impede o MST de dialogar com empresários, com forças políticas além da esquerda e até mesmo com setores do agronegócio.
E por que o MST fortaleceu-se, consolidou-se e resistiu ao quatro anos de Bolsonaro? Em primeiro lugar porque nunca confundiu tática política (flexível por natureza) com firmeza ideológica: sempre deixou claro que tinha como inimigo de classe o latifúndio. Segundo porque apreendeu a essência da dialética que são os contrários em movimento e acompanhou a mudança do latifúndio que se urbanizou e, também, se modernizou.
O MST trouxe a luta pela reforma agrária do campo para a cidade. Ou seja, urbanizou a luta pela reforma agrária. Terceiro, investiu pesado em educação, em formação política ideológica e em formação cultural dos seus quadros e militantes. E, finalmente, em quarto lugar, está conseguindo dar uma dimensão concreta à sua luta transformando-se criativamente num espaço de produção para uma exigência do mundo moderno que são os alimentos orgânicos. Realiza, assim, com sucesso, um velho sonho dos socialistas utópicos do século 19, os falanstérios de Charles Fourier.
Essas são as primeiras lições que os partidos de esquerda deveriam aprender com o MST. Mas há outras igualmente importantes, embora num terreno mais subjetivo e filosófico: o culto a valores como a solidariedade, a tolerância, a prevalência do coletivo sobre o individual e a reverência aos símbolos e figuras históricas da luta do povo no Brasil e no mundo. São valores que junto com a democracia interna ampliam a coesão do movimento e o prepara melhor para os embates que a luta impõe.
Assim, mesmo considerando, que o MST tem um horizonte mais limitado que os partidos de esquerda no Brasil, acho que é um bom exemplo de como manter aceso o espírito revolucionário num processo democrático de luta por transformações estruturais.
*Domingos Leonelli é secretário Nacional de Formação Política do PSB.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.