FARRA COM DINHEIRO PÚBLICO

R$ 83 milhões da farra de gastos com o cartão corporativo estavam sob sigilo - Por Bruna Mattos de Carvalho

O valor total indicado como gastos diretos da estrutura da Presidência é de R$ 84.355.503,81. Desses, R$ 83.853.854,00 (99,41% do total) é de gastos que constam como "Informações protegidas por sigilo".

Bolsonaro em Alagoas: viagem de horas custou R$ 76 mil no cartão corporativo.Créditos: Isac Nóbrega/PR
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Através de solicitação da Agência Fiquem Sabendo, a Secretaria Especial de Administração da Presidência divulgou no início de janeiro uma planilha onde constavam gastos da Presidência da República na unidade gestora, numa soma nominal de 27,62 milhões, que corrigida pelo IPCA chega a 30,83 milhões. Houve a partir de então uma série de notícias comparando gastos com o de governos anteriores, bem como reduzindo a importância dos gastos como se fossem os únicos do ex-Presidente. No entanto, já se sabe que aqueles são apenas parte dos gastos realizados pela Presidência da República.

Nesse contexto, começou a ser divulgado o valor de 75 milhões, como dados constantes no Portal da Transparência. E surgiram as dúvidas: Bolsonaro gastou 27 ou 75 milhões? No entanto, não se trata nem de um valor e nem de outro. Além dos dados divulgados no início de janeiro serem apenas parte dos gastos realizados pela Presidência da República, o Portal da Transparência na verdade aponta que com Bolsonaro a soma de gastos da Presidência da República foi precisamente de R$ 76.169.131,90. Porém, é necessário ainda corrigir a inflação do período e ao fazer isso pelo IPCA o valor real chega a pelo menos R$ 84.355.503,81.

Estruturas de Governo

É importante explicar a que se referem esses gastos. A Presidência da República como Órgão Superior (assim como são os Ministérios, Advocacia-Geral da União  e Controladoria-Geral da União, por exemplo) tem vinculados a ela órgãos e entidades. Para um comparativo, os órgãos vinculados à Presidência e que utilizam o Cartão de Pagamento do Governo Federal estavam assim organizados nos governos Dilma e Bolsonaro:

Governo Dilma:

Presidência da República

  • Empresa Brasil de Comunicação
  • Fundo de Imprensa Nacional
  • Gabinete da Vice-Presidência da República
  • Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
  • Secretaria de Direitos Humanos
  • Secretaria de Assuntos Estratégicos
  • Secretaria de Direitos Humanos
  • Sec. de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Governo Bolsonaro:

Presidência da República

  • Fundo de Imprensa Nacional
  • Empresa Brasil de Comunicação
  • Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
  • Gabinete da Vice-Presidência da República

Ou seja, "Presidência da República" pode ser um "órgão superior" ou a estrutura específica da Presidência. Assim, quanto à Presidência propriamente dita há 3 unidades gestoras: a) Agência Brasileira de Inteligência, b) Gabinete de Segurança Institucional e c) Secretaria Especial de Administração. O valor nominal de “75 milhões” retirado do Portal da Transparência que vem sendo divulgado se refere ao órgão menor da Presidência e suas três unidades gestoras. Os dados de gastos nominais de "27 milhões" se referiam apenas à unidade gestora da Secretaria Especial de Administração e mesmo esses estão incompletos. A Secretaria de Comunicação da Presidência já anunciou que os dados estão incompletos, entre outros motivos porque não está definido ainda quais gastos seguirão em sigilo, e disse ainda que em breve será feita uma nova publicação. De toda forma, esses gastos precisam ainda ser corrigidos de acordo com a inflação para que haja uma representação coerente da realidade.

Dados do Portal da Transparência

Assim sendo, dados atualizados no site do Portal da Transparência, no dia 26 de janeiro de 2023 e corrigidos pela inflação (IPCA - 12/2022) mostram os seguintes valores:

O valor total indicado como gastos diretos da estrutura da Presidência é de R$ 84.355.503,81. Desses, R$ 83.853.854,00 (99,41% do total) é de gastos que constam como "Informações protegidas por sigilo" em: portador do cartão, nome do favorecido, o tipo de transação e a data. Assim, é possível saber apenas o mês e o valor do gasto.

O sigilo nos gastos estava distribuído assim: a) Secretaria Especial de Administração da Presidência: R$ 45.014.593,1; b) Agência Brasileira de Inteligência: R$ 31.811.080,29; c) Gabinete de Segurança Institucional: R$ 7.028.180,61

Sobre o total de gastos que estão sem sigilo no Portal o valor foi, portanto, de R$ 501.649,81. No entanto, é importante notar que R$ 47.957,50 (9,56% desse valor) foi gasto em forma de saque e no local destinado a especificação de “favorecido” há apenas que “não se aplica”.

Afinal, quando vamos saber o que foi gasto, como e onde?

Lula prometeu e cumpriu! Em 1º de janeiro, o Presidente determinou via despacho que a Controladoria-Geral da União revise, no prazo de 30 dias, os documentos de Bolsonaro sob sigilo de 100 anos. A CGU deverá julgar quais são de fato de ordem privada ou tratam de assuntos de segurança nacional e quais são de interesse público e devem ser divulgados. Disponibilizar esses dados é uma ação fundamental para a transparência pública, pois governantes têm obrigação de prestar contas e todo cidadão e a sociedade civil organizada têm o direito de saber como é empregado o recurso público.

A transparência e a participação social ativa são instrumentos fundamentais na eficiência na administração pública e para o combate à corrupção. Bem como para que seja possível fazer decisões políticas se há ou não correspondência moral com os anseios da população. Afinal, uma das marcas do Governo Bolsonaro foi a fome que voltou a devastar o país, e se ainda é necessário que a justiça julgue se há ilegalidade, não é necessário esperar pra ter a certeza de que esses gastos certamente são no mínimo imorais. Pois enquanto em 2021/2022, no Brasil, ao menos 33,1 milhões de pessoas em situação de fome (sendo que no mínimo 14 milhões de brasileiros passaram à essa condição durante o governo Bolsonaro) e 125,2 milhões de pessoas (58,7% do povo brasileiro ) estavam convivendo com algum grau de insegurança alimentar, enquanto a população era empobrecida, a inflação aumentava em níveis recordes para as últimas duas décadas, o poder de compra diminuía e a correção do salário-mínimo sequer fazia a recomposição da inflação, registros de gastos do cartão coorporativo têm vindo à tona mostrando milhões gastos em hotéis de luxo, milhares gastos com Camarão, Salmão, Picanha, Alcatra, Chocolates, Leite Condensado, Sorvetes e outros artigos supérfluos.

Durante um dos debates eleitorais em 2022, Bolsonaro perguntava a Lula: “Agora o senhor está prometendo picanha e cerveja. O senhor não fica vermelho com essas propostas mirabolantes e mentirosas?”. Parece que o problema nunca foi a picanha, afinal, os gastos com dinheiro público do cartão corporativo mostram milhares em carnes nobres, o problema como já sabíamos é que na concepção de alguns o povo não tem direito de acessar melhores condições de vida e o governo deve servir “aos amigos do rei”. Com Lula a população pôde comprar picanha e cerveja com o próprio dinheiro, fruto de políticas de promoção do emprego, especialmente o formal, da valorização do salário-mínimo, do controle da inflação, das políticas públicas voltadas ao controle de preços em gêneros alimentícios, da ascensão através da educação. Com o governo Bolsonaro a Picanha e outros cortes eram apenas para alguns, com dinheiro público, passada no cartão corporativo. Considerando o histórico de Bolsonaro ninguém espera que ele sequer “fique vermelho”, mas o povo espera justiça. Sem anistia!

Bruna Matos de Carvalho é Economista formada pela Universidade Federal de Viçosa. Dirigente da Executiva Estadual do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais e trabalha como assessora parlamentar na Câmara dos Deputados. É membro da Coordenação Nacional da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara, integra o Comitê Gestor da Frente Nacional Contra a Fome e Sede e é membro do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Minas Gerais - CONSEA MG