Depois de muitos anos, voltamos a ter um Ministro dos Direitos Humanos. Apesar do desmonte realizado na estrutura do Ministério, que virou Secretaria, e da falta de investimentos em políticas públicas de acolhimento, Lula escolheu uma das pessoas mais preparadas do país para assumir a pasta. Silvio Almeida não é apenas um jurista, um filósofo, um intelectual de primeira linha; é um ser humano que entende os problemas dos grupos mais vulneráveis porque não vive isolado no academicismo.
A começar pelo discurso de posse, Silvio vem se mostrando conectado com a realidade. A prioridade do Ministério devem ser as parcelas mais fragilizadas e discriminadas. Moradores de rua, indígenas, negros, homossexuais, transexuais e outros grupos estão submetidos a condições precárias de subsistência. O reacionarismo, que se disfarçou de conservadorismo, difundiu-se pelo país, pregando um padrão (falso) moralista de comportamento, baseado na família tradicional formada por homem, mulher e prole, com casa e trabalho, submissão feminina e masculinidade predominante.
Em poucos dias de exercício do cargo, o Ministro esteve em Roraima para presenciar a crise humanitária que envolve os indígenas yanomamis. Sabia que ficar sentado na cadeira não seria suficiente para conhecer o problema real. Essa é outra qualidade de Silvio, que sempre esteve junto das pessoas, não importando a classe social. Aliás, sua alta popularidade se deve, em grande parte, à forma fácil de se comunicar e explicar didaticamente, a qualquer pessoa, as mais complexas questões da conjuntura nacional.
Silvio tem uma compreensão holística dos problemas estruturais do país. Não basta afirmar que há miséria no Brasil; deve-se buscar suas causas e soluções. As desigualdades são históricas e, portanto, exigem medidas planejadas de tratar desigualmente os desiguais, isto é, olhar com mais atenção para aqueles que sempre foram renegados como cidadãos. E há quem diga que isso é “racismo reverso”, uma das invenções mais cruéis para jogar a culpa da opressão no oprimido.
Aliás, a ideia de racismo estrutural vem sendo desenvolvida por Silvio com o intuito de demonstrar, em apertada síntese, que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista se quisermos reduzir as desigualdades entre grupos dominantes e dominados. Temos que olhar, primeiro, para dentro de nós mesmos e questionar como podemos ajudar nessa transformação. Poucos que estão na condição de privilegiados enxergam que meritocracia é uma das utopias criadas para esconder a segregação que formou a nação.
Na obra de Silvio Almeida abrimos os olhos e a mente para compreender que não é natural termos a maior parcela da população carcerária composta por negros; que não podemos aceitar que os negros não consigam atingir altos cargos nas estruturas políticas e corporativas; que é errado os negros serem as principais vítimas de crimes violentos, em especial do abuso policial; que não é admissível que indígenas sejam mortos por garimpos ilegais e o Estado os largue à própria sorte. Numa simples sentença, dizer que não há racismo no Brasil já é um comportamento racista, ainda que inconsciente.
O Presidente Lula acertou na escolha de Silvio Almeida. A composição do Ministério dos Direitos Humanos mostra que há preocupação em resgatar a humanidade nas políticas públicas. A democracia é composta pelas diferenças, pela aceitação do outro com seu modo de vida próprio, pela multiplicidade cultural, pela diversidade sexual, pela liberdade de cada um escolher o que fazer, desde que não prejudique terceiros. O fascismo, ao contrário, é intolerante e nosso Ministro dos Direitos Humanos tem as armas certas para lutar contra esse mal, sem perder sua marcante humildade.
*João Paulo Martinelli é advogado, doutor em direito pela USP, com pós-doutoramento pela Universidade de Coimbra e membro efetivo do IASP
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum