Durante décadas, as tais instituições democráticas foram sendo blindadas em relação às demandas populares por direitos. Reivindicações por reformas sociais praticamente não conseguiam adentrá-las. A democracia se tornava, assim, um espaço de debate apenas entre os que não duvidavam da infalibilidade da austeridade fiscal, fazendo da política um apanágio dos cidadãos da pólis neoliberal.
Só eles, por mais numericamente reduzidos que fossem, tinham voz, e só eles poderiam ser representados. Sua política não seria política, e sim técnica, e sua opção de exclusão não seria senão gestão. A política era sempre o Outro. E de tanto se afirmar como antipolítica, de tanto se autoemular como sendo aquilo que não é, a política neoliberal produziu sua suposta negação, isto é, a sua afirmação "radical", uma versão extremista da ideologia da antipolítica que, justamente em nome dos mesmos interesses do capital, pretende defendê-los não mais por meio da democracia blindada e sua "política", mas contra ela, que, por mais neoliberal que seja, ainda possui a mediação do sufrágio universal.
De tanto serem estimulados pela política do sistema capitalista, os fascistas decidiram que era hora da política de salvar os capitalistas do "sistema" e sua "corrupta política". Assim, chegamos ao dia 8 de janeiro de 2023, quando os golpistas "antipolíticos" de ontem tiveram de, depois de terem seus palácios invadidos, finalmente chamar de golpistas os baluarte da antipolítica de hoje.
Depois de anos sendo alimentados do lado de fora com ideias e dinheiro vindos de dentro, os filhos rebeldes resolveram adentrar os palácios pra lá fazerem seu almoço de domingo. A porta estava entreaberta, e se a primeira placa dizia "favor não mexer", a seguinte a complementava com o singelo pedido: "não deixe sujeira no local".
Porém, sabe como são essas crianças da antipolítica de hoje, não prestam atenção em nada, e às vezes exageram; mas onde estavam mesmo seus pais que nesse tempo todo nunca lhes ensinaram os limites?
*Felipe Demier é historiador e professor da Faculdade de Serviço Social da UERJ
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum