A mentira está entranhada nas origens do bolsonarismo.
A prática se inaugura com a empreitada de seu ex-aliado, Sérgio Moro, autor das acusações infundadas que levaram o presidente Lula à prisão. A decepção popular com a "revelação" de que o melhor presidente que o Brasil já teve seria um ladrão iniciou a guinada à direita que impediu a vitória de Fernando Haddad em 2018. Hoje Lula está livre e Moro se desmoralizou (com o perdão do trocadilho), já que sua prática foi colocada sob suspeição. Mas o estrago já estava feito.
Some-se a isso a fria recepção da sociedade brasileira frente aos trabalhos da Comissão da Verdade (também desqualificada pelo atual presidente como "Comissão da mentira"). Como não tivemos uma CNV logo após o final da ditadura, ao exemplo de países como Argentina, Uruguai e Chile, a "má notícia" das centenas de mortos e desaparecidos políticos no período 1964-85 no Brasil não foi bem recebida por grande parte da população. Foi nesse período que o então deputado Jair veio a púbico louvar seu herói, o sinistro torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.
"Toda época que tem medo de si mesma tende à restauração", escreveu Thomas Mann. A revelação (pra quem até então não sabia ou não queria saber) dos crimes da ditadura militar gerou uma onda de apoio ao... autoritarismo.
Então, elegeu-se Bolsonaro. Alguém que não sabe o que fazer com o poder que lhe foi atribuído e para safar-se.... mente. Mente descaradamente.
Os últimos quatro anos do abuso da mentira como instrumento de poder deixaram a sociedade brasileira insegura e confusa. Durante o mandato de Bolsonaro, poucas foram as manifestações significativas contra seu governo. Estávamos deprimidos?
Do ponto de vista da vida psíquica, a prática reiterada da mentira nos deixa desamparados. O valor da palavra se desmoraliza. O laço social fica mais frágil e, com isso, os psicopatas circulam com maior desenvoltura.
Mas não tanto a ponto de se esquecer que Lula foi o melhor presidente que o país já teve!
Maria Rita Kehl é psicanalista