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Previdência Habitacional - Por Bruno Sindona

Dois dos maiores problemas do Brasil atualmente são o déficit habitacional e a crise previdenciária, em ambos os casos os desafios se manifestam por longa data e veem se agravando com o passar dos anos, e não há, no horizonte próximo, a perspectiva de solução ou melhoria no enfrentamento deles

Créditos: Governo Federal
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Dois dos maiores problemas da sociedade brasileira atualmente são o déficit habitacional e a crise previdenciária, em ambos os casos os desafios se manifestam por longa data e veem se agravando com o passar dos anos, e não há, no horizonte próximo, a perspectiva de solução ou melhoria no enfrentamento deles; pelo contrário: a mudança nos hábitos econômicos e sociais contribuem ainda mais para o crescimento desses desafios. É possível imaginar uma solução que venha conectar os dois problemas e revolucionar o destino de milhões de famílias?

No âmbito do crescimento do déficit habitacional temos fatores como, aumento populacional, degradação de moradias antigas; o aumento do número de divórcios; super ocupação das áreas próprias para moradia que empurram os novos habitantes das grandes cidades para áreas de risco; a falta de mão de obra qualificada na construção civil, que dificultam o bom desenvolvimento da autoconstrução; o constante êxodo rural e principalmente a escassez de recursos para implementar  medidas públicas efetivas e duradouras. Em pesquisa recente do IPEA- Instituto de pesquisa econômica aplicada se constatou que existe déficit de mais de 8 milhões de moradias no Brasil.

Em relação a previdência, a falta de conhecimento e até a desconexão cultural que existe entre o cidadão brasileiro e o planejamento financeiro de longo prazo; a escassez de poupança das famílias e ao crescente processo de pejotização, veem sistematicamente agravando um problema que sempre foi desafiador e está cada vez mais traiçoeiro por não se manifestar no dia a dia das famílias, mas comprometendo definitivamente o futuro de todos.  Segundo estudo feito pela seguradora Allianz, 90% dos brasileiros com mais de 25 anos, não poupam dinheiro pensando na aposentadoria.

Conectando esses dois desafios temos ainda a inflação, que corrói o poder de compra das famílias que têm suas despesas totalmente indexadas, principalmente o aluguel; e suas receitas não. Segundo o censo feito pelo Quinto Andar em parceria com o DataFolha, o gasto médio do brasileiro com moradia é de 31%, ou seja, mais de um terço da renda das famílias estão diretamente comprometidas e indexadas pelos índices IGPM ou IPCA. Ao migrar para um financiamento imobiliário essa despesa se torna decrescente através do modelo de financiamento SAC e atrelada a TR um índice que historicamente oscila muito menos que os índices de inflação citados acima. Somando essa simples mudança a todo o desenvolvimento humano que a moradia qualificada acarreta, a vida dessas famílias pode ser transformada de maneira efetiva e duradoura. Mas ainda restando o desafio da subsistência na velhice ou pós aposentadoria, momento em que se acentua a redução da capacidade laborativa e aumenta sobremaneira o custo de sobrevivência.

A presente proposta consiste na criação de um sistema previdenciário atrelado ao desenvolvimento habitacional, se utilizando do sistema SAC de amortização de financiamentos. O Sistema de Amortização Constante, permite que o principal do valor financiado seja liquidado junto com os juros da operação, o que na prática gera uma queda constante no valor real das parcelas. Dentro dessa realidade e acreditando que as famílias ao aderir a um financiamento já adaptaram suas finanças ao pagamento da parcela em seu valor máximo, ou seja, a primeira. Assim diferença na queda do valor entre as parcelas poderia ser investida em um sistema previdenciário. O que é percebido atualmente é que a diferença poupada na diminuição do financiamento, por ser gradual e lenta, faz com que as famílias destinem essa verba a consumo e não a outro tipo de poupança ou investimento.

Sendo assim as famílias manteriam a média nacional de gasto com habitação (31%) em seu orçamento, mas com o decorrer do tempo esses pagamentos gradativamente liquidariam o financiamento e o restante se somariam em um plano de previdência, que por sua vez retroalimentaria com funding o sistema de financiamento habitacional. A imensa maioria dos recursos do desenvolvimento habitacional vêm do FGTS e do SPBE (recursos da poupança), meios que são insuficientes para solucionar o déficit habitacional. O FGTS tem sua capacidade de destinação de recursos limitada principalmente por conta das políticas de saques implementadas pelos últimos governos, além da precarização e pejotização do trabalho que também afetam seu crescimento. Já a poupança é limitada pelas regras de Basileia III, que limita o volume a ser destinado pelos bancos para o crédito imobiliário.

A alternativa proposta seria um terceiro pilar de funding operado pela CEF nos mesmos moldes do sistema atual, através do Programa Minha Casa Minha Vida e SBPE, a depender do tipo de crédito a ser tomado pelo mutuário, seria definido o fundo de previdência para alocação do recurso.

A CEF é o principal agente do desenvolvimento imobiliário do país, atuando de forma primorosa na gestão dos recursos e no controle das obras. E por ser um banco de varejo ela tem o conhecimento e os recursos necessário para atender aos mutuários/investidores e organizar o desenvolvimento desses fundos previdenciários. O modelo atual de financiamento de projetos não precisaria ser modificado, o que ocorreria é apenas um incremento dos recursos disponíveis para esse sistema.

Analisando do ponto de vista previdenciário a operação seria plenamente viável, primeiro pelos fundos a serem constituídos já possuírem uma destinação definida e amplamente conhecida. O financiamento imobiliário da CEF apresenta a menor inadimplência do país e o menor índice de empreendimentos problema da história, o que trás solidez e segurança para os investidores.

Além dos benefícios para as famílias o desenvolvimento imobiliário age de maneira efetiva na melhoria das comunidades em que ocorre. Desenvolve os equipamentos públicos, as redes de abastecimento e impacta positivamente toda comunidade ao seu redor, além de um massivo desenvolvimento econômico e empregabilidade local.

Em cálculos iniciais adotamos um modelo de contrato utilizado pelo Programa MCMV, e os resultados são animadores. Em uma aquisição onde o mutuário financiou em valores atuais 140.000,00 reais em 30 anos e optou pelo plano de previdência habitacional, ao final do financiamento ele possuiria uma renda de R$ 1.034,71 mensais. Este valor representa cerca de 84% da primeira prestação do financiamento e um valor acumulado de R$ 213.651,04, considerando uma capitalização de 3.aa. Ao analisarmos este cenário e somarmos a isso a valorização do imóvel adquirido e já quitado temos uma cena de segurança familiar muito superior a realidade atual. Realidade essa que não deve se alterar sem um programa que direcione as famílias nesse sentido de maneira simples de desburocratizada.

Essa proposta tem como objetivo transformar a aquisição da casa própria em um ciclo desenvolvimentista das famílias e dos meios em que estão inseridas. Uma família que alcança a moradia digna se desenvolve, e com o passar dos anos tendem a se tornarem cada vez mais produtivas, após esse período de alta produtividade há a necessidade de uma fonte de recurso vitalícia que garanta a subsistência dos genitores dessa família. A Previdência Habitacional pode além de permitir mais acesso a moradia também garantir o futuro de milhões de famílias que estão à margem da segurança econômica. Uma família que possui sua moradia quitada e uma fonte de renda vitalícia desenvolve uma segurança ímpar, desonera o estado e mantém sua dignidade intacta.  Ainda, além de todos os benefícios diretos ao mutuário, há a possibilidade vertiginosa de aumento de funding para a habitação popular.

Analisando o cenário atual do crédito imobiliário no Brasil, realizados em quase sua totalidade pelo FGTS e pela Poupança, podemos notar que apenas o brasileiro comum empresta para o brasileiro comum a taxas que permitam a redução do déficit. Se essa já nossa realidade, por que não estimularmos essa prática e com isso acabar com o desafio habitacional brasileiro? Novos caminhos têm de serem criados e serão.

* Bruno Sindona é empreendedor.

**Este artigo não reflete, necessariamente a opinião da Revista Fórum.