No último dia 25 de maio comemora-se no Brasil o Dia Nacional da Adoção, mas não houve notícias ou comoção nas redes sociais. Dias depois, as redes foram tomadas por diversas postagens comentando o caso de uma atriz que teria devolvido a criança à sua família biológica, por escolha dele.
Nas postagens, critica-se o fato de que a atriz usou termos depreciativos em relação à criança, como “safado” e “sem vergonha”, e ainda que o tiraram do “lixão”, numa alusão à ingratidão do garoto por ter escolhido a família biológica.
Embora tenha sido apenas coincidência a proximidade das datas dos eventos, é muito propício para que tratemos de assunto.
Eu sou mãe. Sou mãe de duas meninas, luzes da minha vida, que não vieram do meu ventre. E também não chegaram bebês. Tal qual o caso da atriz, nos conhecemos quando elas já eram grandinhas, uma com 3 anos e a mais velha com 7. Nos tornamos mãe e filhas (e tem o pai também) há três anos num processo conhecido como adoção tardia, que inclui crianças com idade suficiente, por assim dizer, para demonstrar seus sentimentos, suas expectativas e seus gostos, incluindo aquele pelas pessoas ao seu redor.
No processo legal de adoção no Brasil, uma criança está plenamente em processo de adoção, ou “disponível” para uma nova família quando o poder familiar (se os genitores são conhecidos e vivos, ou se parentes próximos não tenham demonstrado interesse na adoção) já foi destituído pelo Juizado de Menores. Isso significa dizer que a criança não tem mais contato com nenhuma dessas pessoas, e que em geral está em alguma casa de acolhida ou abrigo. Pode ser que eu não consiga usar todos os termos corretamente, afinal, não sou especialista no processo de adoção. Mas me considero mãe-especialista ou, no processo de me fazer mãe de duas meninas crescidas e sabidas quase que da noite pro dia. E todo dia desde então.
A história da atriz parece meio confusa, justamente, porque o menino parecia manter contato com a família biológica, o que não se encaixa no processo legal de adoção. Lembra os casos de “pegar pra criar” que acontecia muito no passado.
Chamou atenção também os comentários sobre amor. Amor entre crianças e adultos, na condição de filho, filha, mãe e pai, se faz todo dia, no cotidiano das relações. O vínculo biológico, o mais comum entre as famílias, não é o que possibilita o amor. O amor é uma construção social, mesmo entre pais e filhos. E o amor entre uma mãe que também foi escolhida por suas filhas é um amor sublime. No entanto, é o amor que guarda seus conflitos, como em toda relação geracional.
Há problemas de desobediência, de birra, de bagunça no quarto, de preguiça pra guardar o pijama, de boneca quebrada, de tarefa escolar mal feita, de não colocar o tênis, de andar descalça no chão frio, de demorar no banho, de reclamar dos legumes, de engolir o chiclete, de brigar com a irmã, de quebrar o controle remoto, de picar papel e espalhar pelo tapete do quarto...
Esses são problemas típicos das relações familiares, seja ela biológica ou socialmente constituída.
E há os prazeres desse amor: os abraços, os beijos, os pedidos de colo, de dormir na cama dos pais, de passearmos de mãos dadas, de ouvir “mãe!” dezenas de vezes ao dia, “você é a melhor mãe do mundo”, “eu queria ter nascido nessa família”, ou ainda, “eu saí da sua barriga, né mãe?”.
O compromisso e a vontade de ser amada por essas pessoinhas é tão grande, tão grande que dói. Mas aqui não há a expectativa de que elas se sintam gratas. Eu só quero que elas me amem, porque eu as amo. Grata sou eu por elas terem me escolhido para ser a mãe delas.
*Luciana de Matos Rudi é mãe, professora e quase doutora em Antropologia da Criança e da Infância.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.