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Solidariedade à Klara Castanho e por uma comunicação que respeite as mulheres - Por Camila Marins

O jornalista deve tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar. Ao procurar saber detalhes sobre o caso, quando a atriz ainda estava sob efeito de anestesia do pós-parto, foi cometida uma infração gravíssima

A atriz Klara Castanho.Créditos: Reprodução/Instagram
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A carta aberta da atriz Klara Castanho evidenciou ontem mais uma da séries de violências que as mulheres sofrem todos os dias. Em uma semana em que outros casos de violência sexual e direito ao aborto foram pautadas pela mídia, fomos expostas, mais uma vez, a diversos julgamentos que nos acompanham durante toda a vida simplesmente pelo fato de termos nascido mulheres em uma sociedade patriarcal, machista e misógina.

Os direitos das mulheres, conquistados através de árduas lutas por movimentos feministas, são ameaçados a todo o momento, por diversos setores. O relato de partir o coração de uma mulher jovem, de apenas 21 anos, serviu para expor, mais uma vez, como as nossas vivências são tratadas como pautas públicas em que muitos se sentem no direito de expressar seus preconceitos, sob a falsa alegação de que são apenas opiniões.

“Como mulher, eu fui violentada primeiramente por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por todas as pessoas que me julgam” - Klara Castanho

A questão levantada pela dor de Klara mostra um outro fato da perversidade cometida contra as mulheres. Os rumores sobre a escolha da atriz de entregar um bebê para a adoção, em uma atitude extremamente humana e amparada pela nossa legislação, já acumulavam cliques e audiência. A conduta ética que deve ser seguida por todo jornalista foi ignorada por aqueles que expuseram os fatos, que até então não haviam — e nem deveriam ter a necessidade de ser — confirmados.

Espera-se que o profissional de imprensa se oponha ao autoritarismo e à opressão, que respeite os direitos humanos, bem como o direito à privacidade.  O jornalista também deve evitar a divulgação dos fatos, quando o interesse é de favorecimento pessoal ou vantagens econômica, de caráter mórbido e contrários aos valores humanos. Ao pensar em todas essas normas, que devem reger a atividade profissional de todo jornalista, entendemos a gravidade da divulgação da dita “notícia”. O caráter mórbido, principalmente com a divulgação de informações do nascimento do bebê, é uma das mais cruéis formas de violência cometidas contra a atriz. E tudo isso com mais um agravante: os dados foram obtidos através de profissionais da saúde, que tem como obrigação legal proteger o sigilo tanto de quem gerou a criança quanto do bebê. 

Por fim, cabe dizer que o jornalista deve tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar. Ao procurar saber detalhes sobre o caso, quando a atriz ainda estava sob efeito de anestesia do pós-parto, foi cometida uma infração gravíssima.

Das mulheres também é retirado o direito à privacidade e à escolha de como, se desejar, abordar uma violência sofrida. Na carta, Klara afirma que foi pressionada para falar sobre as inúmeras agressões que sofreu, uma decisão que deveria ter partido da atriz, e não como resposta às pressões midiáticas que expunham a situação vivenciada por ela.

Vale lembrar também que há pouco tempo, outras mulheres passaram por verdadeiros circos midiáticos acerca de casos de violência. Uma delas foi a atriz Amber Heard, que em 2020 processou o ex-marido Johnny Depp após uma série de agressões físicas. Depois da condenação, ela publicou um artigo relatando sua experiência durante o período em que sofreu violência doméstica.

O que ninguém esperava era que, dois anos depois, a vítima fosse perder um outro caso judicial em que o ator afirmou que o artigo prejudicou a sua imagem — mesmo depois de as violências terem sido condenadas judicialmente — e a cobertura jornalística direcionou os olhares de julgamento para Heard. Na época, a violência foi tamanha que circularam até memes sobre as fotos, evidências processuais utilizadas a fim de condenar o estadunidense. O desfecho não poderia ter sido mais degradante: a sentença exigiu da parte de Amber uma indenização de cerca de 10 milhões de dólares para o agressor. O processo movido por Depp foi motivado, segundo ele, porque o artigo promove uma difamação contra a sua imagem — o que foi confirmado pelo júri, composto por cinco homens e duas mulheres.

Não faltam exemplos, no Brasil e no mundo, de casos de violência de todas as naturezas relatados por mulheres e a repercussão na mídia serve para corroborar o julgamento em torno das vítimas. Heard foi agredida por seu ex-marido e venceu o caso na justiça, mas ao se manifestar sobre o assunto foi condenada por difamação. Klara foi exposta por ter entregado um bebê para adoção, respeitando todo os trâmites judiciais do processo e, inclusive, tendo optado pela adoção direta, caso em que o recém-nascido é entregue diretamente para uma família habilitada a receber a criança, e ainda assim foi acusada de abandono de incapaz. Ademais, foi violada durante momento de extrema vulnerabilidade de saúde mental e física e ainda perdeu seu direito de sigilo, garantido pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). No parágrafo 5ª do artigo 19 da legislação, é estabelecido que “Após o nascimento da criança, a vontade da mãe ou de ambos os genitores, se houver pai registral ou pai indicado, deve ser manifestada na audiência a que se refere o § 1º do art. 166 desta Lei, garantido o sigilo sobre a entrega.”

As inúmeras violências enfrentadas por Klara, desde o estupro até a exposição da sua decisão de entregar o bebê para a adoção, refletem a realidade sob a qual mulheres são submetidas todos os dias. Nossos direitos estão constantemente ameaçados pela cultura sociopolítica que rebaixa a mulher a uma subcategoria enquanto indivíduo, e a mídia cumpre um papel cruel ao ratificar essas violências.

Como mulher trabalhadora da comunicação, é especialmente difícil enfrentar casos como esse. O jornalismo deve cumprir a função social de estar à serviço da sociedade, e não pode ser mais um entre os tantos instrumentos de manutenção da violência contra as mulheres. O que aconteceu com Klara demonstra uma série de violações que atingem diversas camadas, cada uma mais cruel que a anterior, e precisa ser combatido em todas as instâncias. Nós, mulheres negras, vamos reinventar a democracia e uma das maneiras de fazer isso é lutando por um jornalismo que nos respeite, e não que seja usado para perpetuar violências contra nós. Toda solidariedade, amor e cuidado à Klara, que precisará de todas as formas de apoio e acolhimento nesse momento tão difícil. 

*Camila Marins é jornalista, mulher negra e lésbica e pré-candidata a deputada federal pelo PT

**Esse texto não reflete necessariamente a opinião da Fórum