No dia 15 de março de 2015, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra o governo Dilma Rousseff e em defesa de um processo de impeachment, o qual ocorreria pouco mais de um ano depois. Quatro rapazes seguravam um cartaz que dizia “comunista é bom morto”, seguido da expressão “Dilma, Maduro, Hugo, Fidel, Cristina, Lula lixo do mundo”.
Na mesma manifestação, dois bonecos, um representando Dilma Rousseff e outro Luiz Inácio Lula da Silva, foram pendurados em um viaduto, simulando um enforcamento. Era, em certa medida, um enforcamento da própria política, movimento que muitos não perceberam nitidamente na esteira da Operação Lava Jato, que criminalizava atores políticos de diferentes matizes.
O que levou essas milhares de pessoas a apoiarem discursos como “intervenção militar constitucional”? Ou ainda, “feminicídio sim, fomenicídio não, #fora PT”? Para muitos, a resposta está naquilo que se cunhou chamar de “antipetismo”.
Durante a campanha de 2018, o chamado “antipetismo” ganhou força e impulsionou o discurso de outro movimento, o bolsonarismo, levando analistas e formadores de opinião a cravarem que a razão do crescimento de Bolsonaro estava, antes de tudo, nas ações do PT e na sua rejeição, e não no próprio candidato que adotava um discurso cada vez mais radical.
Obviamente, os eleitores de Bolsonaro não formavam um campo homogêneo ou um bloco monolítico. Na verdade, Bolsonaro acabava por encarnar diferentes anseios para públicos diversos. Poderia representar uma forte proteção à família, o liberalismo mais radical ou o nacionalismo mais histriônico, sem falar do eleitor que se encantava com a estética da zoação e com o falso discurso do outsider. Muitos também votaram em Bolsonaro porque se decepcionaram com os governos do PT e não se sentiam representados por Fernando Haddad, enxergando nele uma continuidade de Lula. Entender a ascensão de Bolsonaro significa compreender que muitos fatores possibilitaram sua eleição. Talvez a utilização do termo antipetismo dificulte essa compreensão.
Bolsonaro não ganhou a eleição apenas porque havia uma rejeição ao Partido dos Trabalhadores nos mais de 57 milhões de eleitores. Quantos desses votos foram dados muito mais por aquilo que Bolsonaro defendia efetivamente – e que sempre defendeu – do que num simples voto contrário ao PT? Afirmar que Bolsonaro ganhou por conta do antipetismo é negar que uma parcela expressiva do eleitorado tem simpatia por discursos de extrema direita. Talvez seja mais prudente afirmar que ele ganhou por conta de suas promessas, da estética de sua campanha e por ter mobilizado diferentes afetos, como o medo, o ódio e uma profunda admiração.
Se existe uma enorme racionalidade dentro do processo eleitoral, com o voto refletindo questões da vida cotidiana e para atender anseios dos eleitores, há também um componente afetivo que não pode ser desconsiderado. Razão e emoção não são necessariamente antagônicas na política.
O eleitor pode acreditar que está votando de forma racional ao defender pautas como saúde, educação, emprego e segurança, mas ser duramente afetado pelo ódio quando o candidato adversário, visto como inimigo, defende outras pautas. O carisma de um candidato vai muito além da sua capacidade de atrair eleitores. Ele também pode ser entendido pela sua força em mobilizar os afetos de seus seguidores, como a admiração, a adesão sincera ou, em casos mais extremados, uma paixão de grande intensidade. O eleitor entende que a única possibilidade racional é votar no candidato que admira. Ao receber essa admiração sincera, o candidato também passa a encarnar, para o eleitor mais fanatizado, a verdade absoluta.
Para o seguidor mais radical, Bolsonaro não mente, não falha e está sempre certo. Ele é portador de uma chave que já trouxe, ou trará em breve, uma profunda revelação, principalmente envolvendo poderosos esquemas de conspiração.
Mesmo com milhares de mortos e com um sério discurso científico defendendo máscaras, isolamento social e as vacinas, o que fizeram os apoiadores de Bolsonaro durante a pandemia? O que dizem a respeito do elevado custo de vida e do desemprego? Bolsonaro aparece para esse apoiador como uma vítima do sistema, isento de responsabilidades e como aquele que, no fim das contas, está lutando para salvar a nação. É o histórico mito do complô e da conspiração, agora usado para beneficiar exatamente aquele que está no poder.
Bolsonaro encarna também muitas posições nesse complô. Ele é forte e indestrutível, mas ao mesmo tempo é fraco e incapaz de reagir. É aquele que empunha armas, mas que também está de mãos atadas. Ele é conhecedor da verdade, mas não tem controle sobre seus subordinados, mesmo quando poderosos esquemas de corrupção batem na porta do seu gabinete, ou em uma de suas várias casas.
O eleitorado de Bolsonaro é diverso e heterogêneo, e qualquer tentativa de transformá-lo em um movimento único e monolítico estará desconsiderando visões distintas e eleitores que não apoiam a violência ou discursos extremados. Mas há dentro do bolsonarismo uma parcela significativa de apoiadores que irá com Bolsonaro até o fim na sua cruzada antidemocrática. Eles não são apenas barulhentos, mas defensores da violência contra adversários e do enfraquecimento das instituições.
Aqueles que seguravam cartazes contra o comunismo e que penduravam bonecos nos viadutos estão de qual lado hoje? É pouco provável que defendam a democracia.
*Daniel Trevisan Samways é doutor em História e professor no Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.