Quase quarenta anos já se passaram desde o final da maior mobilização popular do século XX. Em 25 de abril de 1984 a Emenda Dante de Oliveira era derrotada por 22 votos na Câmara dos Deputados e as eleições diretas para presidente da república eram substituídas pela manutenção do Colégio Eleitoral, uma invenção da ditadura para escolher o presidente do Brasil.
Brasília sitiada militarmente, Câmara tensionada ao máximo, imprensa totalmente mobilizada e milhões de brasileiros atentos na praças, na Câmaras de Vereadores, em algumas Assembleias estaduais, nos sindicatos e em palanques armados com painéis de votação com os nomes dos deputados estampados.
No livro “Diretas Já, 15 meses que abalaram a ditadura “ que escrevi com Dante de Oliveira, relato em detalhes aquele triste dia 25 em que as rosas de abril foram pisoteadas no chão da Câmara dos Deputados.
Naquele dia concluía-se um processo em que as forças democráticas seguiram por um caminho até então inusitado, criativo e diferente das alternativas que se colocavam para por fim à ditadura. Ao final de 1982 estávamos entre “derrubar ou derrotar a ditadura“, uma disjuntiva formulada por Werneck Viana, que se concretizaria por um ato de força ou pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Mas quem convocaria a Constituinte ou com que força se derrubaria a ditadura, ninguém era capaz de dizer ao certo.
A oposição institucional estava fortalecida com a vitória de governadores em dez estados, entre os quais São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná. Ulisses Guimarães presidia o PMDB que ainda era uma grande frente democrática, embora já desfalcado do PDT e PT. Mas nem o PMDB, que ainda acolhia o PCB e o PCdoB, nem o PDT, nem o PT apontavam para um caminho claro em relação ao fim da ditadura presidida pelo general João Figueiredo do qual o capitão Bolsonaro é uma versão piorada.
Foi então que em janeiro de 1983, antes mesmo de ser instalada a nova legislatura eleita em 82, que o jovem deputado Dante de Oliveira começa a colher as assinaturas necessárias a apresentação da Emenda Constitucional instituindo a eleição direta para Presidente da República em 1984. Diferente de outras anteriores, era uma emenda direta e simples com uma curta justificativa.
Andou como um raio, tramitou pela bancada federal do PMDB liderada pelo inesquecível Freitas Nobre que autorizou a formação de uma comissão especial encarregada de formular o que seria uma campanha de marketing e finalmente chegou a Executiva Nacional do PMDB. Doutor Ulisses percebeu que estava ali a sua bandeira para valorizar o partido diante de nove governadores, dos quais pelo menos três tinham, como ele próprio, aspirações presidenciais. Ciente de que precisaria da esquerda foi humildemente à sala da liderança do PT pedir o apoio para a emenda e engajamento na campanha.
A eleição direta para presidente da república proposta pela Emenda Dante de Oliveira era o atalho luminoso prático, concreto, claro para as massas, que decidiria o caminho das oposições. Resolvia na prática o dilema entre derrubar ou derrotar democraticamente a ditadura.
Vencidas as resistências à esquerda, ao centro e à direita da frente democrática, ganhos os governadores para a ideia, a campanha incendiou o País. Sem quebrar uma vidraça, sem precisar xingar a mãe de um militar, sem ofender a honra de nenhum político, constituiu-se na maior ameaça que o regime já havia enfrentado.
Pela primeira vez na vida política, o assunto principal dos palanques com grandes celebridades artísticas e politicas não era quem estava em cima deles, mas o povo , as multidões que lotavam as praças e as ruas. Os anônimos que se transformavam conscientemente em sujeitos da história. O chão da praça transformado em território prioritário da política.
A campanha das Diretas Já foi uma quase revolução democrática.
Se a emenda Dante de Oliveira tivesse sido aprovada, a impressão é que se inverteria a própria ordem democrática liberal . Ao invés das elites concederem ao povo o direito de escolher entre os seus um presidente, seria o povo concedendo às elites politicas o direito de se candidatarem. Seria mais que o fim da ditadura. Seria a demonstração de que uma revolução pode ser feita sem armas , através da pressão popular, da mobilização da sociedade civil e dos sindicatos com articulação política e parlamentar.
E foi exatamente esse grande perigo que os generais e o civis do regime perceberam. E sitiaram Brasília impedindo o acesso de caravanas democráticas . E prenderam pessoas , inclusive deputados. E forneceram garantias aos deputados para votar contra a emenda ou não comparecerem à votação. E usaram a histeria violenta do general Nini (Newton Cruz) como Executor da Medidas de Emergência, contra os buzinaços e manifestações na Esplanada dos Ministérios.
E foi nesses dias que cometemos o nosso principal erro, nós os partidos e alguns dirigentes sindicais, ao não aprovarmos e fortalecermos a ideia da greve geral. Força contra força. Pacífica, ordeira e política, a greve geral seria a demonstração de força que demoveria os aliados mais vacilantes do regime. E poderia trazer a necessária insegurança aos setores da economia que ainda apoiavam a ditadura.
Faltou-nos a compreensão de que as classes dirigentes deste Pais, por mais que alguns dos seus representantes possam eventualmente alinhar-se ao processo democrático, não tem compromisso profundo com a democracia nem com um projeto de Nação que tenha o povo brasileiro como protagonista. E as Diretas Já foi um momento em que o povo exerceu o protagonismo.
Domingos Leonelli é coordenador do site socialismocriativo.com.br e autor com Dante de Oliveira do livro “Diretas Já, 15 meses que abalaram a ditadura“.