A partir de agora, os homens que desembarcarem sem papéis nas costas britânicas serão automaticamente enviados para Ruanda, a 6.500 quilômetros de distância, sem nem sequer direito à demanda de asilo.
A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro britânico, o populista de direita Boris Johnson, num discurso insolente em que dizia ser necessário "salvar vidas humanas" e "impedir que traficantes de seres humanos transformassem o oceano em um cemitério aquático".
Te podría interesar
Balela, o que ele realmente quer é reduzir o número de requerentes de asilo, que diariamente chegam ao país em pequenos barcos de borracha após a travessia do Canal da Mancha.
"Não podemos manter um sistema ilegal paralelo », disse Johnson. "Nossa compaixão pode ser infinita, mas a capacidade de ajudar as pessoas não é".
Te podría interesar
A ministra do Interior, Priti Patel, esteve na semana passada em Kigali, onde assinou um acordo de US$ 150 milhões com o governo ruandês para testar a aplicação do programa, que começaria com os homens solteiros que chegarem ilegalmente ao Reino Unido.
Pelo acordo, Ruanda assumiria a responsabilidade pelas pessoas expulsas, abriria os processos de demanda de asilo e, ao final, aqueles cujos pedidos forem aceitos terão acomodação de longo prazo no país.
O governo ruandês indicou que os imigrantes terão "direito à proteção total sob a lei ruandesa, igualdade de acesso a emprego e inscrição em serviços de saúde e assistência social".
Como não podia deixar de ser, o novo programa foi amplamente criticado tanto por grupos humanitários, que chamaram os planos de cruéis e levantaram preocupações sobre o histórico de violação dos direitos humanos de Ruanda, quanto por partidos da oposição, sobretudo o Trabalhista, que disseram ser o programa "impraticável, antiético, perdulário e ineficaz".
No ano passado, 28.526 pessoas atravessaram o Canal da Mancha em pequenas embarcações.
Mais de 9.500 travessias ou tentativas de cruzar a Mancha por migrantes que desejavam chegar à costa britânica foram registradas em 2020, quatro vezes mais do que em 2019. Pelo menos 31 migrantes morreram no dia 24 de novembro do ano passado, depois que um barco naufragou no Canal, ainda nas proxidades da costa de Calais, ao norte da França, no maior naufrágio de migrantes dos últimos anos na região.
Em 13 de abril deste ano, cerca de 600 requerentes de asilo chegaram às costas britânicas, número que segundo Boris Johnson poderá chegar a mil por dia nas próximas semanas.
Por mais chocante que seja a medida, ela não é realmente original. A iniciativa britânica é apenas mais um passo rumo à inumanidade.
Não é a primeira vez que planos desta brutalidade aparecem como forma de « resolver » o problema da imigração ilegal. Camberra utiliza a mesma prática violadora do direito internacional desde 2001, quando expulsou milhares de muçulmanos. De forma camuflada, Israel fez o mesmo, enviando os imigrantes da Eritréia e Sudão para o Ruanda e Uganda. Mais recentemente, até a Dinamarca, que nos acostumamos a admirar por sua política de Direitos Humanos, anunciou um plano similar. O pagamento de 6 bilhões de euros pela União Europeia à Turquia para reter refugiados da Síria vai na mesma direção.
Agora, é a vez do Reino Unidos tratar vítimas da guerra e da violência com o degredo, a pior forma de se desembaraçar das suas responsabilidades. Pagar a países pobres para evitar os encargos políticos e sociais e econômicos do acolhimento de imigrantes parece ter se tornado um negócio vantajoso. Mas além de não resolver coisa alguma, banaliza a desumanidade. E o preço disso é altíssimo. Quando um país trata gente como gado, ultrapassa-se todos os limites da decência, a barreira civilizacional é rompida, os direitos humanos, a moral, a ética jogados no lixo da História, a falta de escrúpulos então torna-se a regra única das relações humanas. É um ultraje à nossa condição de seres humanos.
*Milton Blay é formado em Direito e Jornalismo, já passou por veículos como Jovem Pan, Jornal da Tarde, revista Visão, Folha de S.Paulo, rádios Capital, Excelsior (futura CBN), Eldorado, Bandeirantes e TV Democracia, além da Radio France Internationale