Só um genocídio para tombar Maria Prestes, por Kerison Lopes

Agradeço a vida por ter convivido de perto e ter duas filhas que são bisnetas desta lenda

Dona Maria Prestes. Foto: Divulgação
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Por Kerison Lopes*

Após uma longa luta contra a Covid numa UTI no Rio de Janeiro, dona Maria Prestes não resistiu. Sedada, não pôde comemorar seus 92 anos completados em 02 de fevereiro. E partiu, nesta sexta-feira, a maior revolucionária que conheci. Agradeço a vida por ter convivido de perto e ter duas filhas que são bisnetas desta lenda.

Em qualquer obituário que se escreva, é obrigatório citar que ela leva este sobrenome por ser a viúva de Luiz Carlos Prestes. Ter caminhado por 40 anos ao lado do Cavaleiro da Esperança por vezes ofuscou sua biografia, mas quem a conheceu viu seu brilho próprio, sua garra, sua inteligência, sua dedicação revolucionária.

Dona Maria sempre enganou o tempo e sua força trazia a impressão de ser imortal. E esta é a maior dor que a Covid traz, interrompe vidas fora da hora. O Brasil paga um preço muito alto por estar sob um regime genocida, que incentiva e espalha uma doença que já fez 630 mil vítimas, entre elas, valorosos filhos e filhas da nossa terra.

Dona Maria venceu duas ditaduras, mas o covarde genocídio de Bolsonaro é traiçoeiro, tem a capacidade de praticar um assassinato em massa que leva de bebês até os mais fortes combatentes. Não fosse isso, a guerreira estaria aqui na luta com a gente pra vencer todo o mal que nos assola.

A revolucionária nunca conheceu a palavra medo. Quando Getúlio Vargas conduzia sua ditadura do Estado Novo, ainda adolescente, Altamira Rodrigues (seu nome de batismo) se filiou ao Partido Comunista para lutar por justiça e liberdade. Gozando da confiança da direção do partido, foi destacada para cuidar da segurança do homem mais perseguido do país, indo morar na clandestinidade com Prestes. No “aparelho” nasceu um amor que criou nove filhos.

Venceu a primeira ditadura, mas em poucos anos o Brasil caiu de novo no autoritarismo e em 1964 Prestes foi escolhido como nome número um dos inimigos do regime. Se antes protegia um homem, agora Dona Maria tinha que esconder uma família de onze membros. Foi obrigada a mudar de nome, virando Maria Ribeiro. Para não ver seus entes serem presos e exterminados, levou todo mundo para viver no exílio na União Soviética.

Com o Brasil de novo em liberdade, a família retornou ao Brasil e novamente Maria se integrou em todas as lutas em curso no país. Não parou um só minuto. Escreveu livros, fundou movimentos, visitou acampamentos e assentamentos do MST, produziu até uma cerveja com seu nome.

Não fosse a Covid, estaria entre nós fazendo festa pelos seus 92 anos, desfilando com seus biquínis e vestidos coloridos, orientando e inspirando os filhos, netas e bisnetas. Com a saúde que tinha, em poucos anos estaria brincando também com seus tataranetos. Mas o genocídio a impediu. Obrigado, Dona Maria. Descanse em paz, pois seguiremos sua luta e venceremos. E te vingaremos!

*Kerison Lopes é jornalista e pai de Helena e Gabriela, bisnetas de Maria e Luiz Carlos Prestes.