Chega em boa hora o manifesto assinado por mais de 50 personalidades pela eleição de Lula já no primeiro turno. A adesão de nomes como o de Cristovam Buarque, de Milton Seligman, de Randolfe Rodrigues, entre outros, é o início de um movimento mais amplo de reconstrução das relações políticas, depois da devastação promovida pela ascensão da extrema direita.
Entretanto, precisamos estar preparados para uma eleição dura, polarizada e disputada em dois turnos. Primeiro, porque nunca ganhamos eleições presidenciais em primeira ronda. Depois, porque na observação de 226 eleições presidenciais ao redor do mundo, em apenas 7% dos casos os governantes que disputavam a reeleição não foram para o segundo turno. E, ainda, há um número muito grande de candidatos, o que fragmenta o eleitorado, especialmente no campo da centro direita.
De toda forma, é fundamental seguirmos costurando um amplo leque de alianças, que tenha no centro estratégico a defesa de um programa de reconstrução e transformação e do estado democrático. Essa base é fundamental não só para a eleição de Lula, mas também para elegermos uma grande bancada de parlamentares e isolarmos a extrema direita, que nunca teve e que não terá compromisso com a democracia e o voto popular. Precisamos vencer e garantir melhores condições de governabilidade.
Devemos estar atentos ainda ao fato de que as eleições de outubro serão uma disputa de agendas. Nós do campo progressista devemos centrar esforços em debater os temas fundamentais para a vida do povo, como o enfrentamento da fome, da miséria, a geração de empregos e renda.
É nosso dever apresentar alternativas à deterioração de políticas públicas desencadeada pelos desgovernos Temer-Bolsonaro. Na educação, por exemplo, houve um aumento durante a pandemia de 66% no número de crianças que não sabem ler na idade certa.
Na saúde, cresce a pressão gerada pela demanda reprimida por procedimentos eletivos. Sem falar no desmonte de órgãos de preservação do meio ambiente, que tem gerado uma devastação sem precedentes na Amazônia, no desmonte da cultura e no isolamento internacional do Brasil.
Frente ao enorme fracasso que é o desgoverno Bolsonaro em todas as áreas, não interessa a ele debater com Lula, o presidente mais bem avaliado da história e com um legado extraordinário, um projeto de futuro para o Brasil. Por isso, Bolsonaro aposta na disputa no campo das fake news e coloca na agenda mentiras semanais, como a envolvendo uma suposta delação de Adélio Bispo ou a que ele teria impedido uma 3ª Guerra Mundial. Não podemos perder tempo e cair nessa armadilha.
Por outro lado, temos um juiz suspeito e isolado, que não consegue explicar os R$ 3,7 milhões ganhos por ter trabalhado na recuperação judicial de empresas que ele mesmo ajudou a quebrar. Ele não tem articulação política, não conhece o Brasil, mas tenta colocar na pauta o combate à corrupção, sem qualquer credibilidade para tratar do tema.
A chamada terceira via não tem unidade, não tem um programa para enfrentar a crise e segue sem votos, inclusive com a provável entrada na disputa de mais um candidato, que perdeu as prévias partidárias, que deve trocar de partido e que vai acirrar a disputa pelo terceiro lugar.
Nesse cenário de polarização, Bolsonaro procura recuperar parte da base social perdida, com medidas como um auxílio para 17 milhões de famílias, o vale gás, o aumento de 10% no salário mínimo e a liberação R$ 100 bilhões em crédito para as micro e pequenas empresas. Todas essas iniciativas não resultaram, até o momento, em mudanças consistentes nas intenções de voto dele, e principalmente não reverteram a gigantesca rejeição ao governo.
Esse cenário dialoga com uma cláusula da Gallup que, desde 1940, nenhum governo consegue a reeleição se não partir de pelo menos 45% das intenções de voto. Ou seja, Bolsonaro continua com piso alto, mas um teto eleitoral muito baixo, carregando uma monumental rejeição.
O desgaste de Bolsonaro é muito profundo, principalmente em razão da condução irresponsável e criminosa da pandemia, que resultou em mais de 640 mil mortos, da alta dos preços dos alimentos e das elevadas taxas de desemprego e subemprego. Ainda que a inflação recue e que as condições econômicas deixem de piorar, a economia segue sendo determinante e Bolsonaro não tem o que apresentar nas eleições.
Nós temos, ainda, um fator determinante que é a mais aguerrida e comprometia militância política do Brasil. Temos que lutar com todas as forças, amassar muito barro e enfrentar essas eleições com coragem e determinação para que a esperança vença o ódio. Mas, também, construindo e criando as condições de governabilidade. Essa construção passa pela disputa em São Paulo, por alianças e pela ampliação das forças democráticas ao redor da liderança de Lula.
*Aloizio Mercadante é ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum