Derrotar forças obscurantistas para pautas estratégicas voltarem à vida nacional – Por Alfredo Macedo Gomes e Moacyr Cunha Araújo Filho

O que não podemos ignorar é o visível desprezo deste governo pela realidade e as consequências de tal concepção para o futuro do país. O ataque coordenado e sistemático às nossas instituições universitárias e à Ciência é, na verdade, um ataque ao Brasil

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Por Alfredo Macedo e Moacyr Cunha de Araújo Filho *

A universidade pública e a ciência brasileiras estão sob coordenado e sistemático ataque do governo de Jair Messias Bolsonaro desde o início de sua gestão. Os fatos são abundantes, incontestáveis e encontram-se disponíveis em variadas e numerosas fontes confiáveis, em português e em outras línguas. Entendam por coordenado e sistemático a ação chefiada, planejada e articulada, de forma pautada e metódica, visando produzir determinados resultados e consequências. Por ataque entendam o desferimento de ações ofensivas e violentas, que visam desqualificar e causar danos materiais e morais às Universidades e à Ciência, dentre outras instituições sociais. Vamos explicitar ações corrosivas que o governo mobiliza para tentar desconstruir e destruir as universidades públicas federais e o sistema de Ciência e Pós-graduação no Brasil, e dizer da imperiosa necessidade de derrotá-lo, de forma democrática, nas eleições presidenciais de 2022.

As universidades públicas federais e o sistema de coordenação e produção científica vêm sendo atacados por ações do governo que envolvem, dentre outras, cortes no orçamento das universidades federais, da CAPES e do CNPQ; intervenção nas universidades federais e tentativa de banimento de sua autonomia; e abordagem político-ideológica de matiz neofascista, autoritária e negacionista, que se instrumentaliza por meio, mas não exclusivamente, de manipulações midiáticas e narrativas inverídicas sobre as universidades e as ciências.

O desinvestimento nas IFES é parte de uma política de gestão, e não acidente de percurso. Tomando por base o orçamento discricionário de fontes do Tesouro (RP2) referente à dotação inicial das IFES de 2019, cujo valor foi de R$ 6.060.994.030,00, houve corte de 8,64% para 2020 (R$ 5.537.233.884,00), de 25,55% para 2021 (R$ 4.512.374.536,00) e de 11,23% para 2022 (R$ 5.380.512.380,00). Em relação aos recursos de investimentos especificamente, com base na dotação inicial do exercício 2019 (R$ 600.358.405,00), o corte foi de 48,25% para 2020 (R$ 310.674.861,00), de 71,91% para 2021 (R$ 168.613.577,00) e embora tenha certa composição em 2022 (R$ 345.640.341,00), o corte é de mais de 42% em relação a 2019.

Tais ataques encontram materialização no negacionismo compulsivo do presidente e de seus assessores e ministros mais próximos; em mentiras ruidosas e perniciosas que afirmam, por exemplo, que o estudante da universidade pública “faz tudo, menos estudar”; e que “...poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte tá na iniciativa privada” (presidente); que ...tem plantações de maconha, mas não é três... você tem plantações extensivas nas universidades. ... Você pega laboratórios de química ... desenvolvendo drogas sintéticas, metanfetamina”; e “Universidades que... estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas” (ex-ministro da Educação); que “a universidade, na verdade, deveria ser para poucos”; e que há excesso de universidades no Brasil (ministro da Educação).

O ataque coordenado e sistemático também se concretiza pela nomeação de reitores/as-interventores/as, ignorando os primeiros escolhidos democraticamente pelas respectivas comunidades acadêmicas, cujo objetivo compreende, além do ato significativo de intervenção na autonomia universitária, a criação de um grupo de reitores-interventores ideologicamente alinhados ao governo Bolsonaro e a promoção de instabilidades e hostilidades internas nas universidades federais. Declarou o ministro da Educação no programa “Novo Sem Censura” que “de 69 universidades federais, 69 reitores, nós temos hoje aproximadamente ... eu converso com todos ... mas eu tenho pelo menos uns 20 a 25 reitores [com] quem eu converso plenamente, 10 deles eu trouxe para visitar aqui o senhor presidente da República, coisa inédita um reitor de uma universidade federal ...” O fato em si de receber um grupo de reitores-interventores deve ser “coisa inédita”, mas é, no entanto, antirrepublicano, antidialógico, sobretudo quando se tem a prerrogativa e o poder de convocar a todos(as) os(as) reitores e reitoras para discutir e definir as pautas mais urgentes e necessárias para as universidades e a ciência.

Poderíamos enumerar outras ações, mas cremos que, para o presente artigo, a argumentação está bem estabelecida. Não precisamos nos estender aqui sobre o sucateamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), subfinanciada e gerida de modo a não realizar as mais importantes tarefas que lhes reservam a avaliação da pós-graduação e as políticas de formação de mestres e doutores; nem nos alongarmos aqui sobre o desmonte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também subfinanciado e destituído nos últimos anos da força promotora da pesquisa em âmbito nacional e internacional.

O conjunto das universidades públicas federais é um dos pilares fundamentais do projeto de nação, soberano, plural, democrático (CF/1988, art. 1º.), e é componente central do sistema de pesquisa e pós-graduação nacional e, por isso mesmo, tem por finalidade (LDB/1996, art. 43º) estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica; promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos; comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional; estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais; prestar serviços especializados à comunidade; promover a extensão, aberta à participação da população; atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, tudo isso com impacto inegável na melhoria da qualidade de vida da nossa população.

As universidades públicas e a política de Ciência, Tecnologia e Inovação precisam entrar na pauta governamental pela relevância e importância estratégicas que têm para o presente e o futuro do Brasil. Trata-se de políticas que devem orientar-se pelos princípios constitucionais e pelo valor estratégico para o País, considerando-se os graves problemas nacionais e regionais que demandam necessárias e urgentes resoluções, para os quais as universidades públicas dispõem de pessoal, inteligência e capacidade.

O que não podemos ignorar é o visível desprezo deste governo pela realidade e as consequências de tal concepção para o futuro do País. O ataque coordenado e sistemático às nossas instituições universitárias e à Ciência é, na verdade, um ataque ao Brasil, uma sabotagem aos sonhos da juventude brasileira e um cancelamento intencional das possibilidades reais e criativas de enfrentamento aos grandes problemas nacionais. Não podemos nos furtar à luta política para que não se prolongue a permanência destas forças obscuras e negacionistas no poder central por mais um mandato. Como disse Arendt, “de nada serve ignorar as forças destrutivas de nosso século”. A filósofa escreveu tal verdade em 1950, mas, como sabemos, verdades históricas não devem ser ignoradas. É imperioso, portanto, derrotá-las, de forma democrática, nas eleições de 2022, e, desta forma, recolocar no centro da vida nacional as pautas estratégias.

*Alfredo Macedo Gomes é professor e reitor da UFPE e Moacyr Cunha de Araújo Filho é professor e vice-reitor da UFPE.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.