Com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, a educação básica no país iniciou uma contagem regressiva para se despedir de um dos capítulos mais obscuros de sua história. Foram anos marcados pelo descaso, ausência de políticas públicas e cortes no orçamento, juntamente com escândalos de corrupção e tráfico de influência. Um desmonte sem precedentes e de proporções alarmantes.
O desafio de suceder uma gestão errante e omissa como a que tivemos nos últimos anos pode parecer vantajoso na medida em que, com pouca organização e esforço, já é possível fazer a diferença. Contudo, tal tarefa impõe grandiosos desafios, uma vez que, diante da ausência de propostas, as dificuldades historicamente conhecidas se multiplicaram. No caso da educação básica, além da falta sistemática de propostas e investimentos, os problemas antes existentes se agravaram, por consequência, também, da devastadora pandemia de Covid-19 e seus impactos sobre as escolas e os estudantes.
Esse talvez seja o desafio mais urgente: a promoção de uma política nacional de recuperação das aprendizagens. Para isso, faz-se necessário que o MEC retome o seu papel de articulador central, indutor de políticas públicas educacionais em âmbito nacional. O pouco que foi feito em relação aos déficits deixados pela pandemia se deu por iniciativa de estados e municípios, em particular, o que é incompatível com a perspectiva de um sistema nacional de educação. Objetivo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), que contou com alguns tímidos avanços nas gestões anteriores do Partido dos Trabalhadores (PT) e que necessita, mais do que nunca, progredir de modo consistente.
Precisamos, urgentemente, de um sistema educacional que combata as disparidades existentes entre os diferentes estados e regiões do Brasil, promovendo justiça e equidade no acesso à uma educação de qualidade para todas e todos, e que recupere as lacunas deixadas pela pandemia, principalmente, as que se apresentam nos campos da alfabetização e da matemática, ou seja, nas habilidades de leitura e escrita, interpretação de texto e no raciocínio lógico-matemático. Se essas áreas já se apresentavam como desafios históricos para o país, ganharam proporção de emergência educacional no pós-pandemia.
Os dados da avaliação do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb) de 2021 divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) atestam, por exemplo, que o número de crianças no 2º ano que não conseguem ler palavras simples e isoladas, como “casa” e “mesa” aumentou, consideravelmente, desde a avaliação anterior, em 2019. Como se sabe, a habilidade de leitura é determinante, a curto prazo, para o desenvolvimento educacional dos estudantes e, a médio e longo prazo, para atuarem como cidadãos atuantes e críticos. Como defende Paulo Freire, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”, ou seja, não é possível uma formação crítica sem habilidades básicas de leitura.
No caso da matemática, os resultados indicam que 22% dos alunos do 2º ano que realizaram o exame não conseguiram resolver operações básicas, como soma ou subtração. A superação dessa dificuldade passa, mais uma vez, pela assunção por parte do MEC do seu papel de indutor de políticas em âmbito nacional.
A atual Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída em 2019, conta com a assinatura autoritária, que marcou as ações do governo Bolsonaro que finda o seu mandato. Em vez de promover o debate, o estudo, a formação de professores e a distribuição de materiais didáticos e paradidáticos, como ocorria no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), passaram a ter acesso a verbas e apoio somente os estados e municípios que se submeteram, inteiramente, ao modelo teórico imposto pelo MEC, marcado pelo investimento no método fônico como única forma de alfabetização. Aos entes federados, restou a opção de caminharem com as próprias pernas, sem acesso ao financiamento e nem a cooperação do governo federal.
Ainda no aspecto do financiamento, temos uma atual gestão marcada por grandes cortes orçamentários por causa da pior execução orçamentária dos últimos anos, exatamente, na Educação Básica, a qual contou, em 2021, com a menor taxa de empenho (93%) e a menor taxa de pagamento (77%) entre todos os agrupamentos de subfunções do Ministério da Educação.
E o descaso não para por aí. A dotação orçamentária para investimentos em 2022 foi de R$ 3,45 bilhões, número muito aquém dos que testemunhamos de 2009 a 2015 que, corrigidos pela inflação, oscilaram entre R$ 10 e 20 bilhões. Uma das grandes preocupações é que justamente dessa rubrica saem as verbas para investimento em laboratórios e equipamentos tecnológicos na educação, além de outros. Nota-se, portanto, que mesmo com toda a evidência trazida pela pandemia, de que esses são recursos, sem os quais, não será possível termos avanços na educação básica, nada mudou, nem em termos de propostas e nem de orçamento. O maior valor proposto pela gestão Bolsonaro foi de R$ 4,63 bilhões, em 2020 e, de lá para cá, só decresceu.
Se o orçamento, como um todo, da educação na gestão Bolsonaro não fosse suficientemente ruim e precisássemos de mais um exemplo de como os sucessivos cortes afetam o cotidiano das unidades, poderíamos citar a situação da merenda escolar. Congelado há 5 (cinco) anos, o orçamento para a merenda escolar, que hoje é de R$ 3,96 bilhões (o que equivale a R$ 0,53 por aluno da pré-escola e R$ 0,36 no ensino fundamental e médio), com a aplicação ao menos da correção inflacionária, deveria ser de R$ 5,53 bilhões. Os estados e municípios que conseguiram manter algum padrão de qualidade na alimentação escolar o fizeram às custas dos próprios recursos, acumulando dificuldades e perdas.
No período final da educação básica, o ensino médio apresenta desafios compartilhados com as etapas anteriores, no que tange às garantias de aprendizagem e permanência, mas também conta com questões específicas. Atualmente, a maior delas gira em torno da polêmica Reforma do Ensino Médio.
Primeiramente, quanto ao aspecto da permanência, dados divulgados pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), este ano, apontam que a taxa de abandono escolar na rede pública no ensino médio mais que dobrou em 2021. A taxa que era de 2,3% em 2020 passou para 5% em 2021, e a tendência é de que a alta se reafirme em 2022.
O segundo ponto que destacamos relaciona-se ao aspecto da aprendizagem e, certamente, se tornará o mais debatido no próximo governo – a Reforma do Ensino Médio. Alvo de fortes críticas por parte de professores, intelectuais e do campo progressista, principalmente, pelo potencial agravamento das desigualdades do país no acesso à educação de qualidade e pela redução dos componentes curriculares às áreas de conhecimento, além da exclusão da obrigatoriedade de várias disciplinas do campo das humanas, a mencionada reforma é fruto de um movimento autoritário das gestões Temer e Bolsonaro.
A expectativa para a nova gestão gira em torno da revogação total, ou em parte, do Novo Ensino Médio e da abertura de amplo debate sobre o tema, algo que não houve durante a construção e aprovação da atual reforma.
Temos assistido, desde o golpe de 2016, a uma sucessão de cortes, escândalos e esvaziamento da função do Ministério da Educação. Agora, com a vitória democrática do campo progressista, esperamos recuperar um MEC promotor de políticas públicas, que permita ao país avançar no combate às desigualdades de acesso a oportunidades educacionais em todo o território, com orçamento forte e que faça jus ao tamanho de seus desafios. Esperamos um MEC que, além de promotor e financiador, seja protagonista na construção de um sistema nacional de educação, que garanta o acesso por parte de toda a população às vagas, desde a creche – desafio gigantesco, hoje, para os municípios que não contam com nenhum apoio do governo federal – até o ensino superior, tão fortemente atacado pelas atuais políticas.
Aguardamos um MEC comprometido com o Plano Nacional de Educação, com a realização de amplos debates através dos Fóruns Nacionais de Educação e das Conferências Nacionais. Desejamos um MEC que consolide a vitória do estado democrático de direito ao garantir a articulação de políticas que viabilizem a construção de uma educação pública gratuita, inclusiva, laica, democrática, georreferenciada e de qualidade social para todas e todos.
*Thiago Risso é escritor, pesquisador e Subsecretário de Educação de Niterói.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.