CLEIDE MARTINS

Delação sem provas, a poderosa arma dentro do Estado brasileiro para operar o lawfare contra o próprio Estado brasileiro

Lawfare é guerra por meio do Direito, do uso das instituições do sistema de justiça para fins ilegítimos de natureza política

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Ricardo Coutinho, ex-governador da Paraíba, com aprovação de 84,7% pela população, foi preso no dia 17 de dezembro de 2019 ao desembarcar do avião em João Pessoa. O desembargador Ricardo Vital de Almeida, do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, havia decretado a sua prisão preventiva e a de mais 16 pessoas e também expediu mandados de busca e apreensão para estas e mais outras 24 pessoas, na chamada sétima fase da “Operação Calvário”. 

Em janeiro de 2020, Ricardo Coutinho e outras 34 pessoas foram denunciadas por, supostamente, integrarem uma organização criminosa para desviar recursos públicos a fim de custear campanha política eleitoral.

Para compor a narrativa acusatória, o Ministério Público se valeu de colaborações premiadas de delatores que se encontravam presos preventivamente, em fases anteriores da denominada “Operação Calvário”. Tais delações não foram corroboradas com provas.

Cabe aqui chamar a atenção para o instituto da colaboração premiada, amplamente difundido pelos meios de comunicação, no período áureo da “Operação Lava Jato”. A delação pressupõe incriminar outro, de preferência, quem possui maior visibilidade e/ou é o alvo principal a ser atingido; é a forma de eximir ou ao menos minimizar a punição do delator que está sendo acusado. 

As delações usadas para culpar o ex-governador incorreram em inúmeras contradições e, ademais, a denúncia se vale do artifício de transmutar medidas rotineiras e atos inerentes à função do gestor em ilícitos – o modus operandi, por parte de integrantes do órgão acusador (MP/MPF), característico do lawfare, como relatam os estudiosos dessa guerra e advogados. 

Até as características (boas) da personalidade e atuação da pessoa são usadas e narradas de forma distorcida para justificar a acusação! É o que se lê no trecho a seguir extraído da denúncia:

“A liderança de RICARDO COUTINHO no empreendimento criminoso é consectário natural do posto por ele ocupado, no Governo do Estado (período de 2011 a 2018), do prestígio político por ele angariado, no cenário regional, e dos atributos de sua personalidade: forte e permeada por atos de concentração de poder. Esses predicados, na verdade, possuem raízes históricas, pois precedem sua atuação no governo local (foi ele prefeito da capital) e foram capazes de influenciar, inclusive, na formação da gestão subsequente. Todos sabem que foi este réu o principal pivô da eleição do atual governador e que capitaneou a manutenção, no Poder Executivo do seu staff de Secretários no centro das decisões políticas” (fls. 64-65).

Reclamam os defensores que a denúncia apresentada contra as mais de 30 pessoas acusadas de “organização criminosa” não demonstra o vínculo entre elas – muitas delas nem ao menos se conheciam; que não foi observado o critério definidor de competência do órgão julgador, pois, sendo alegado ilícitos eleitorais, a competência seria da justiça eleitoral e não da justiça comum, criminal. Reclamam ainda da arbitrariedade quanto à fixação do valor à título de reparação, dada a falta de provas concretas da existência de qualquer prejuízo; que lhes foi negado o acesso ao inteiro teor das colaborações premiadas e, ainda, que a denúncia se vale de trechos de conversas que adquirem caráter acusatório tão somente pela interpretação dada pelo órgão acusador.

Além desse processo criminal, foram movidos outros nove contra Ricardo Coutinho. Isto ainda no ano de 2020. No final do ano de 2022, foi intimado de mais dois processos. Todos versando sobre os mesmos fatos, mas com tipificações penais diversas. 

O fatiamento das acusações para emplacar inúmeras denúncias, ou seja, mover inúmeros processos também é método e característica do lawfare. O objetivo é destruir o inimigo, atacar sua reputação perante a sociedade e mantê-lo sob um estado de estresse contínuo. O alvo sob ataque além de ter que lidar com gastos para se defender, numa situação em que os seus bens se encontram bloqueados pelo juiz, e, muitas vezes, também seu salário ou aposentadoria, tem que lidar com as consequências que atingem familiares. 

A perseguição judicial e midiática é uma tortura que atinge e vitima também os familiares do alvo principal.

Ricardo Coutinho perdeu um filho, no quinto mês de gestação, em 2020 e, por conta da pecha de criminoso impingida, antes mesmo de se defender, perdeu a guarda do filho de 9 anos, à época, do primeiro casamento. Além disto, o Ministério Público também denunciou sua esposa simplesmente por ter participado de uma reunião, na qualidade de conselheira que era. Não satisfeitos, os operadores do lawfare processaram os organizadores do livro que conta a história da operação e ainda processaram os jornalistas que produziram um documentário sobre o caso.

Paralisar a pessoa, principalmente sua atuação política, é o resultado buscado pelos operadores do lawfare. É o caso de Ricardo Coutinho que governou, com muito êxito, o Estado da Paraíba e é nome cogitado para fazer parte da equipe do governo do presidente, de viés progressista, eleito em 2022. 

Assim como no primeiro governo petista, com início em 2003, foi conseguido o afastamento de lideranças expoentes do Partido dos Trabalhadores, no famigerado processo judicial chamado de “mensalão”, o mesmo modus operandi é usado contra Ricardo Coutinho e outras lideranças progressistas da Paraíba, a exemplo da ex-prefeita da cidade do Conde, Márcia Lucena.

No caso do ataque a Ricardo Coutinho e a outras lideranças políticas paraibanas, espera-se uma reação por parte dos dirigentes de partidos progressistas e do próximo governo do país, diferentemente do que ocorreu à época do processo do “mensalão”, quando nenhuma reação foi esboçada, nem para se inteirar das provas de defesa, nem para compreender que se tratava de um ataque à própria política (criminalização da política) e ao próprio governo - ataque que, em momento posterior, foi certeiro ao atingir a presidenta Dilma, ao prender Lula e impedir sua candidatura à presidente, em 2018 – fatos que acarretaram consequências políticas, sociais e econômicas desastrosas ao país e a toda a sociedade. 

Lawfare é guerra por meio do Direito, do uso das instituições do sistema de justiça para fins ilegítimos de natureza política. A guerra continua. É preciso enfrentá-la e pará-la. Sobretudo, é preciso resgatar as vítimas. Lawfare nunca mais! 

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum