DIVERSIDADE

Instituto Brasil-Israel empodera lideranças judias negras

Conheça Ana Beatriz Prudente Alckmin e Fercho Marquéz-Elul, duas lideranças jovens e negras da comunidade judaica

Ana Beatriz Prudente Alckmin e Fercho Marquéz-Elul.
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A comunidade judaica tem como característica muito importante o empoderamento de sua juventude desde muito cedo. Os jovens judeus são preparados para serem líderes do futuro, para defenderem sua comunidade, o que é muito positivo e é algo que a sociedade num geral deveria aprender com a comunidade judaica. 

Os movimentos juvenis, em hebraico tnuá, trazem perspectivas e linhas de pensamento distintas. Existem ideologias diversas nas tnuá, sendo elas de direita, de esquerda, de centro, ortodoxas, não ortodoxas, mais religiosas, menos religiosas e assim por diante. Só no estado de São Paulo hoje temos 10 tnuá, o que é um número muito bom e traz uma diversidade muito significativa.

Historicamente os movimentos juvenis tem muita importância, visto que começaram há muito tempo atrás. Na época do Holocausto, quando os judeus estavam confinados em guetos, foram esses movimentos juvenis que fizeram os grandes levantes, incluindo o Levante do Gueto de Varsóvia, que foi um movimento de resistência.

O Instituto Brasil-Israel tem sido um espaço de desenvolvimento de lideranças judaicas, entre elas os jovens judeus negros. Vale muito a pena conhecer essas lideranças e todos os projetos liderados por jovens que fazem parte dessa instituição. Como os jovens judeus negros estão em menor quantidade no Brasil, e muitas vezes o brasileiro comete o terrível erro de achar que judeu é sinônimo de ser branco, algo que precisa ser desconstruído, é preciso dar voz a essas jovens lideranças negras. Tive acesso às opiniões importantes de duas delas: Ana Beatriz Prudente Alckmin e Fercho Marquéz-Elul. 

Importante mencionar que Ana Beatriz Prudente Alckmin é uma jovem judia, ambientalista e primeira judia negra CEO de um start-up judaica no Brasil, o Zerah (a start-up socioambiental do Instituto Brasil-Israel). Já Fercho Marquéz-Elul é membro do Grupo Judeidade e Negritude, o primeiro coletivo de jovens negros no Brasil criado dentro do Instituto Brasil-Israel. 

Durante nossa conversa, debatemos diversos temas, e Fercho enriqueceu nosso bate-papo falando um pouco sobre a história do povo judeu. 

“O povo judeu é um povo que se origina da fração expandida de território de Israel, Palestina, Síria, partes do Egito e até mesmo do Iraque. Uma área expandida que um povo específico surgiu e se articulou, entrou em deslocamento, lutou, perseverou. Esse povo específico original dessa área, que é um povo que temos relação, ou estudamos, ou temos descendentes distantes. As pessoas não compreendem, mas é importante lembrar que o judaísmo é uma religião étnico-religiosa. O que significa isso? É um povo que tem uma origem étnica específica que é dessa região do oriente médio, que também produz um conjunto de códigos, pontos, temas, procedimentos que são da área da fé. A pessoa que não compreende o judaísmo, pensam que são pessoas que teimaram em seguir aquela parte específica do mundo, sendo que na verdade essa parte específica do mundo foi que originou esse povo. E ali que está o tesouro, berço histórico, religioso e cultural judaico. É importante dizer também que sem o território expandido, sem os povos judaicos disseminados pelo mundo da diáspora, o judaísmo também não seria como ele é hoje. Ao mesmo tempo em que existe essa importância central de Israel, por sua história, cultura e o que conecta o povo judeu, há também um caldeirão complexo e rico de contribuições que a diáspora (que são esses povos fora de Israel) tem a oferecer. Um mundo se conecta com o outro e um se alimenta do outro". 

 

Adentramos então no assunto sionismo, ponto em que Fercho deixou seu ponto de vista bem claro. 

“Não ser sionista é uma coisa que perpassa questões especificas e pessoais de cada um, mas que mantém respeito a reivindicações e as lutas por autodeterminação dos povos judaicos. Já ser antissionista coloca o sionismo como algo que não deveria acontecer nunca, isso vai contra a autodeterminação de um povo específico. Se pensarmos o Curdistão que é um grupo, um povo que reivindica partes territoriais do oriente médio. Por exemplo, eu sou curdo e não me importo em fazer parte do Irã, agora eu falar de fora que os curdos não devem existir ou ter uma terra, aí sim eu estaria sendo extremamente preconceituoso e tirando o direito do outro de se autodeterminar. Então eu acredito sim que o antissionismo é um discurso de ódio, mas o não sionismo não necessariamente. É muito complexo, porque muitas das vezes, críticas construtivas contra o sionismo, são simplesmente armamentizadas para ser dito que é antissionista, quando na verdade a crítica é para manter ou melhorar o sionismo como um todo, ou parte do sionismo. Ao mesmo tempo, muita gente usa literalmente o sionismo para ser antissemita, já que outras formas tradicionais de antissemitismo já são visualizáveis como o discurso de ódio. Então, muitos entram no antissemitismo a partir do antissionismo e isso é muito complicado. É um dos desafios hoje separar o que é uma crítica construtiva para o sionismo e o que é uma crítica antissionista, uma crítica que tira o direito do outro de pensar nos rumos do seu próprio povo.”

 

Ana Beatriz Prudente Alckmin também tem opiniões valorosas sobre o antissionismo.  

“Antissionismo se manifesta na maioria das vezes com o discurso de ódio. E o que é o discurso de ódio? É um discurso que não só critica como discrimina um grupo específico, definido por algum traço identitário em comum como cor, orientação sexual, identidade de gênero, religião, nacionalidade, etc. Um grande exemplo disso é o que o discurso de ódio com frases como “O gay é uma praga que deveria sumir”, “Esse muçulmano pode ser um terrorista”, ou “De onde vem o dinheiro desse negro?”. Esse tipo de discurso visa à desvalorização de um grupo e, seja proferido para várias pessoas ou apenas para uma pessoa, desmoraliza a identidade desse grupo. O antissionismo é um discurso de ódio cheio de preconceito e raiva, contra o povo israelense. Precisamos lutar veementemente contra esse tipo de discurso que se assemelha ao antissemitismo.”

 

Já sobre judeidade, Ana se diz extremamente litúrgica

“Eu tive uma formação judaica dentro do movimento judaico conservador, aos poucos fui me identificando com o movimento judaico reformista. Mas sou muito litúrgica, sigo com dedicação os rituais judaicos religiosos. Sigo de forma muito firme o calendário judaico, sou muito religiosa, portanto frequento a sinagoga, faço estudos das escrituras.”

 

Ao ser questionada sobre como é ser a primeira mulher negra judia CEO de uma start-up socioambiental do IBI, Ana diz: 

“É importante saber que o Zerah é conduzido por uma mulher judia negra, que traz os valores judaicos dentro do universo ambiental. No judaísmo há respeito pelo meio ambiente, pela terra e pelos ciclos da natureza.” 

 

*Greyce Mattos Fernandes tem 27 anos, é formada em Direito e apresentadora do Portal Supernova.