Com toda a clareza intelectual que fez de Seu Jorge um dos músicos mais completos da atualidade, ele quebra o silêncio e expõe a face racista e colonial da elite gaúcha, que agora busca transferir aos tribunais a decisão de julgar se seus atos covardes e mesquinhos são racismo ou não.
Ora, a elite se acostumou às leis, a ter as leis a seu favor, não se acostuma ao julgamento da sociedade, especialmente ao julgamento do povo negro, ao julgamento das mulheres e dos brancos antirracistas, que vêm liderando um conjunto sólido de transformações que tem se transformado na busca constante de/e ocupação de espaços de poder que a branquitude racista detinha para si e seus filhos.
O vídeo breve publicado pelo cantor faz lembrar o livro clássico de Florestan Fernandes “O negro no mundo dos brancos”. Tomando a história do Brasil desde a abolição da escravatura, o povo negro luta de forma persistente para redefinir a condição social de ex-escravo e se afirmar como trabalhador livre e como cidadão, por “igualdade perante a lei”.
A luta nos tribunais é sempre desigual, a justiça é política e controlada por tribunais em sua maioria brancos. Desde sempre, o povo negro lutou e continua a lutar contra toda sorte de manifestações de desigualdade racial, no emprego, na escola com a educação eurocêntrica, no acesso à moradia e ao próprio direito de viver. É retórico, mas infelizmente atual, a juventude negra é a que mais morre por mortes violentas no país.
Octavio Ianni dizia que a malfadada “democracia racial brasileira” foi uma técnica social desenvolvida pelos brancos, pela qual os mesmos, segundo as exigências de sua classe social, procuram estabelecer as condições e o alcance da atividade e da mobilidade social do negro, como pessoas e como grupos sociais.
O caso de racismo sofrido por Seu Jorge, as ações jurídicas movidas contra Djonga pela frase “fogo nos racistas”, proferida por ele em seus shows, é a face nua do conceito criado por Ianni. O branco não suporta que o negro fale o que pensa ou que faça o que fale, lhes dói, fere o privilégio branco.
Seu Jorge terminou seu comunicado com um chamado à ação e organização, nem todas as guerras são travadas com armas. Esses nossos antepassados já empunharam, quando não lhes restou alternativa. Todavia, quando nos tentam subjugar é nessa seara que o enfrentamento é posto e, como afirmou Seu Jorge, vamos vencer essa guerra contra o inimigo exposto, ocupar as ruas, denunciar publicamente, usar todos os meios possíveis para expor os indivíduos e intuições racistas. Por nós, por amor...
*Maister F. da Silva é estudante de Administração, Sistemas e Serviços de Saúde na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul.
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