Por Reginaldo Lopes*
No seu poema “Ano Novo”, Ferreira Gullar nos lembra que a virada “não começa/ nem no céu nem no chão/ do planeta:/ começa no coração./ Começa como a esperança/ de vida melhor”. Depois de um tempo de tristeza e desilusão, percebi pelas mensagens que recebi e li nas redes que a esperança deu o ar da graça no nosso Brasil tão sofrido. Como se 2022 começasse em forma de contagem regressiva para o fim do governo Bolsonaro.
As manchetes de jornais e portais, porém, nos trazem um choque de realidade, mostrando que ainda resta uma difícil travessia pela frente. As chuvas de verão castigam moradores de vários pontos do país, como Minas e Bahia, deixando dezenas de mortos e milhares de desabrigados. Todo ano a tragédia se repete sobre as mesmas vítimas: pessoas pobres empurradas pelos poderosos para morar em áreas de risco, mostrando que quem mata não é a natureza das águas, mas a ganância dos homens.
A novidade deste ano chuvoso é o governante de plantão. Como explicar a contradição entre as cenas de enchentes levando vidas na Bahia e um presidente se divertindo em carros e moto aquática em Santa Catarina? Só mesmo um homem perturbado pelo sadismo é capaz de zombar da tragédia de seus governados, oferecendo, além do seu desprezo, a maldade de recusar ajuda humanitária do governo argentino. Sua obsessão pela morte de brasileiros tem também como alvo as crianças, a quem ele nega a vacina, única arma capaz de salvá-las dos riscos da pandemia.
Ainda temos um ano de Bolsonaro pela frente, já que a maior parte do Congresso não teve ainda a hombridade de impedir suas atrocidades com um processo de impeachment. O custo de vida para os mais pobres vai continuar subindo, a crescente inflação vai corroer ainda mais o salário de quem tem a sorte de recebê-lo, pois o desemprego só deve crescer numa economia em recessão. Portanto, agregamos ao nosso dicionário de ano novo a palavra “resistência”.
Bom mesmo seria fechar os olhos e acordar em 2023. Aliás, a palavra “réveillon” é uma derivação do verbo “réveiller”, que significa “acordar” em francês. Suponho que a esperança que vi nessa virada de ano tenha a ver com uma expectativa com o pós-Bolsonaro que as eleições podem trazer. A possibilidade de volta do ex-presidente Lula ao seu antigo cargo criou uma expectativa positiva que contagia o mundo todo, como mostra a recepção que teve nos seus recentes giros pela Europa e Argentina.
E a esperança que Lula desperta vem do esperançar, que Paulo Freire conjugou como se levantar, ir atrás, construir, não desistir. Esses verbos são a própria vida do nosso presidente, como mostra a sua biografia lançada pelo jornalista mineiro Fernando Morais. Conhecer mais de perto sua história com a leitura do livro fortaleceu em mim a convicção de que só Lula pode liderar um processo de reconstrução do país. E ele já tem feito isso, construindo pontes com aqueles que já foram adversários, mas que podem estar juntos pela volta da democracia
O ano de 2022 será de resistência, travessia e esperança. Mais que palavras, são metas para enfrentar tempos difíceis, sonhando com dias melhores. Planejar o ano que se inicia “é coisa de homem/ esse bicho/ estelar/ que sonha/ (e luta)”, como diz o poema de Ferreira Gullar que abriu este texto.
*Reginaldo Lopes (MG) é deputado federal e líder da Bancada do PT na Câmara
Artigo publicado originalmente no jornal O Tempo