Por Rafaela Rodrigues*
Em janeiro agora, o governo Bolsonaro completou três anos em curso. A despeito de qualquer linha de análise ou viés partidário, é difícil negar que o período tenha sido marcado pelo retrocesso político e democrático. Se o Brasil já amargava a crise iniciada com o processo de impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de um novo governo por voto popular não só afastou a reconciliação do país com as boas práticas políticas e democráticas como agravou ainda mais o quadro de desigualdade social.
Os três primeiros anos de mandato sugerem uma cruzada retórica em diversas frentes, com marcas de autoritarismo e desconstrução de políticas de proteção social. Da economia à cultura, passando por dilemas institucionais, além de impasses com a imprensa, o Congresso Nacional, o Judiciário, as relações exteriores e a sociedade civil, não há muito o que escape do atual escangalho da democracia brasileira nesse governo.
De início, houve uma tentativa constante de redução do escopo de cidadania àqueles passíveis de ser considerados “cidadãos de bem”. Só é “de bem” quem advoga pelas agendas do governo. Numa outra esfera, a ideia de organizações da sociedade civil exercendo algum tipo de controle social sobre as políticas públicas, além de não ser bem-vista, foi explicitamente combatida.
Na área da Educação, o comportamento do Ministério ficou entre a defesa de valores ideológicos e morais amplos e a dificuldade de produzir políticas públicas. Se o modelo implementado pós-1988 apresenta um conjunto de legislações (além de reformas posteriores) que buscaram melhorar a gestão pública brasileira e gerar benefícios diretos para a população, o governo Bolsonaro se empenhou em desfazer tudo isso, sendo um ponto fora da curva desde o impeachment do presidente Collor, aliás. O modelo de gestão do Ministério da Educação (MEC) é se posicionar contra a agenda, as instituições e os atores que, em maior ou menor medida, guiaram as políticas públicas ao longo das últimas décadas. Naturalmente, o resultado é o completo isolamento do MEC.
Nas áreas da saúde e da política exterior, nada do que acontece no Brasil atualmente representa o histórico de atuação do país. De certa forma, o mundo tem se desdobrado para tentar entender a hecatombe que se abateu sobre o Brasil desde o início da pandemia do novo coronavírus. Não poderia ser diferente, considerando a constante violação sem precedentes do direito à vida e à saúde dos brasileiros promovida diretamente pelo governo federal e seus representantes.
Em maior ou menor escala, o governo Bolsonaro se orienta pelo desmonte desse modelo político e social iniciado pela Constituição de 1988, com reflexos diretos em diversas áreas. A exemplo da reforma da previdência, quando em termos de distribuição de renda, um dos grandes dilemas brasileiros, as propostas apresentadas em novembro de 2019 (Projeto de Emenda Constitucional nº 45 e Projeto de Emenda Constitucional nº 110) não possibilitam a taxação de grandes fortunas ou dividendos, sugerindo apenas a criação de novos tributos.
Nesse contexto, as políticas públicas do governo Bolsonaro estão marcadas pelo recuo orçamentário típico das políticas de austeridade, processo iniciado ainda no governo Temer. O impacto da retração do investimento do Estado, somado ao aumento de taxas de desemprego e ao consequente empobrecimento da população, promoveu o agravamento direto de vários indicadores sociais no Brasil. Tudo isso não escapa de questões de cunho religioso e conservador, até por conta de expressões recorrentes nos discursos do atual presidente, como “maioria cristã” e “tradição judaico-cristã”.
As retrospectivas nos trazem um sentimento grande de distopia. Premiado internacionalmente pelos seus programas sociais, o Brasil retrocedeu a passos largos. A mobilização política e, principalmente, da sociedade em torno das agendas de política pública segue sendo crucial para consolidar as conquistas já obtidas e evitar ainda mais retrocessos com a próxima eleição.
Passados três anos, o atual governo parece ter adotado como único slogan de política pública o devaneio Eu quero meu povo armado. Ainda em 2022, teremos a chance de redesenhar todo esse quadro, tanto na representação do Executivo quanto no Legislativo (não menos importante, pelo contrário).
*Rafaela Rodrigues é cientista Política, pesquisadora e doutoranda de Política e Relações Internacionais do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenadora do Comitê de Saúde Global do Common Action Forum (CAF), de Madri
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