Por Ivanilda Figueiredo *
Os países com maior declínio democrático em 2020 têm em comum a perseguição aos direitos de pessoas LGBTIs. Polônia, Hungria, Turquia, Brasil e Sérvia são, nesta ordem, os cinco países com maior declínio democrático entre 2010 e 2020, de acordo com o Instituto V Dem. O instituto usa mais de dezenas indicadores para mensurar a saúde da democracia, qualificando-as em democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia liberal e autocracia fechada. De acordo com o estudo, 68% da população mundial vive hoje em autocracias e apenas 14% da população em democracias com mais respeito aos direitos, as quais nomeiam como democracias liberais. Não vamos discutir conceitos aqui. Basta dizer que o Brasil não está no topo do ranking. Pelo contrário, o Brasil é caracterizado como uma democracia eleitoral em declínio. As ameaças a direitos humanos e à liberdade de imprensa e expressão estão entre os motivos de nossa decadência.
Na Polônia, presidente e os principais líderes do partido majoritário consideram os direitos das pessoas LGBTI+ como uma ameaça à família tradicional. Cidades polonesas têm se autodenominado “zonas livres da ideologia LGBTI+” e o presidente reeleito Andrzej Duda chamou a luta LGBTI+ de mais perigosa do que o comunismo. Não à toa reúne em uma mesma sentença comunistas e LGBT+. Tanto na Polônia quanto aqui, o fantasma do comunismo como inimigo interno número um ainda está presente em muitos discursos de políticos conservadores e, hoje, as pessoas LGBTI+ são também alçadas à condição de inimigas internas, cuja existência e luta justificam a necessidade de líderes fortes e decididos capazes de exterminar a ameaça. Estratégia bastante conhecida para a ascensão de autocratas.
Na Hungria, o presidente Vitor Orban é conhecido por promover o ódio contra a população LGBTI+. Na cruzada anti-LGBTI+, a constituição foi alterada para designar como família apenas aquelas constituídas por relações heteroafetivas e seus filhos; as cirurgias e tratamentos de redesignação de sexo foram proibidas e foi estabelecida a censura nas escolas a qualquer debate que envolva as existências LGBTI+. O fomento ao medo de influenciar as crianças é também uma constante em todos aqueles que elegem as pessoas LGBTI+ como suas inimigas públicas. Aqui, a sanha vem sendo detida por brilhantes decisões do STF, mas não se tem como prever a mudança após a ascensão do Ministro “terrivelmente evangélico” indicado pelo atual presidente.
As paradas do Orgulho LGBTI+ foram proibidas em toda a Turquia. Em sua capital, Ancara, nenhum evento LGBT+ tem permissão para acontecer e o presidente Erdorgan recentemente afirmou que o país irá “levar para o futuro não uma juventude LGBT, mas uma juventude digna da história gloriosa desta nação”.
No Brasil, não é segredo o uso de LGBTI+ como ameaças para a eleição de políticos conservadores e necropolíticos, aqueles que usam a pulsão de morte contra determinados grupos como motor para o próprio sucesso. Inclusive foram os medos os grandes aliados do atual presidente quando de sua vitória. Se na eleição, o kit gay e a mamadeira de piroca estavam entre as “fake news” preferidas para influenciar seus adeptos, na pandemia até a Organização Mundial de Saúde foi acusada de querer ensinar “ideologia de gênero” às crianças. Isto como forma de, pasmem, deslegitimar as ações da agência para combater a disseminação do coronavírus.
A Sérvia, em quinto lugar na lista do V-Dem, representa a prova a máxima de que não basta ser LGBTI+, é preciso ser um aliado da causa. Ana Brnabic, primeira-ministra da Sérvia, é lésbica e teve um filho com sua companheira este ano. No entanto, precisou viajar para realizar os procedimentos de fertilização, pois em seu governo foi sancionado ato que proíbe a reprodução assistida aos casais LGBTI+. Ela também é contrária à aprovação do casamento e da adoção por casais LGBTI+.
Eleger um inimigo interno é essencial para pretensos autocratas, isso os torna necessários. Seria preciso alguém com poderes concentrados para combater um grande mal. Se perseguir os comunistas nunca saí de moda para alguns, esta ameaça é bem menos real do que a ideia de que mulheres feministas são contrárias à ordem natural das coisas e pessoas LGBTI+ querem prejudicar as crianças, convertendo-as.
Em tempos tão sombrios só nos resta esperar que o grande intelectual e escritor negro James Baldwim tenha razão: “o ódio, que pode destruir tanto, nunca deixou de destruir o homem que odiava, e esta é uma lei imutável”, pois 2022 está à espreita e se as perseguições as pessoas LGBTI têm se tornado uma das grandes moedas de trocas em tempos eleitorais. Se os conservadores nos usam como forma de retirar votos de candidatas e candidatos progressistas, espera-se que tais políticos mantenham o alinhamento com a defesa de direitos. Entretanto, isto nem sempre ocorre e o apelo eleitoral é mais forte e as pessoas e família LGBTI+ são deixadas ao relento. Até o momento, no Brasil, nos ampara o STF, mas as mudanças na corte colocam a questão: até quando?
*Ivanilda Figueiredo é professora de direito na UERJ e consultora da Uirapuru Consultoria.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.