Por Pe. José Alfredo Gonçalves*
Crise e caos, tragédia e barbárie, desemprego, subemprego e trabalho informal, pobreza, miséria e fome, tecido social esgarçado, ruídos entre os três poderes da República!... Eis as expressões que traduzem a atual conjuntura do país.
Desde a 1ª edição em 1995, com o tema A vida em primeiro lugar, nunca o Grito dos Excluídos e das Excluídas ganhou tanta relevância. A pandemia da Covid-19, associada ao pandemônio do desgoverno Bolsonaro, violento e recheado de conflitos, escancararam e agravaram ainda mais a condição precária de dezenas de milhões de pessoas por todo território nacional.
O desmonte das políticas públicas e dos direitos trabalhistas, conquistados ao longo de décadas, criou um cenário de extrema vulnerabilidade. A devastação varreu famílias inteiras do aconchego de seus lares. Os números do próprio IBGE são estarrecedores: mais de 15 milhões de desempregados, o que equivale a cerca de 15% da População Economicamente Ativa (PEA); ao redor de 40 milhões de trabalhadores no mercado subterrâneo, disputam as migalhas de “bicos” temporários e incertos; o contingente de “desalentados”, por sua vez, beira os 5 milhões.
Tudo somado, cerca da metade da população brasileira sofre algum tipo de insegurança alimentar ou de carência. Os gritos se multiplicam e se fazem tanto mais estridentes quando menor a capacidade das pessoas de se fazerem ouvir. A 27ª edição do Grito dos/as Excluídos/as, promovida por uma série de movimentos, pastorais entidades e organizações não governamentais, faz apelo aos direitos básicos de todo cidadão, com o lema “Na luta por participação popular, saúde, comida, moradia, trabalho e renda já”.
A iniciativa do Grito neste 7 de setembro remete aos três “T” que o Papa Francisco usou nos encontros com os movimentos sociais: terra, teto e trabalho. Remete também aos debates da 6ª Semana Social Brasileira, com a temática “Mutirão pela vida, por terra, teto e trabalho”. Sem chão nem pão – para camponeses, indígenas, negros, migrantes, mulheres e trabalhadores em geral – impossível garantir a dignidade básica, viga mestra da Doutrina Social da Igreja. Mínimo necessário sem o qual outras portas se fecham para a vida social e os direitos de uma cidadania digna e justa.
São inúmeras as portas hoje fechadas. Ao mesmo tempo que aumenta a população em situação de rua, cresce na mesma proporção a entrega das “quentinhas” (marmitas) e das cestas básicas. Quantas comunidades, paróquias, entidades, associações e organizações tornaram-se a última tábua de salvação para a multidão dos sem-terra, sem-teto e sem-trabalho! Pão bendito o da mão solidária estendida, não há dúvida, mas não deixar de ser também o pão maldito, porque regado com as lágrimas amargas da vergonha. O pão que verdadeiramente dignifica o trabalhador é aquele que vem pelo suor do seu rosto e como fruto do trabalho das próprias mãos.
No Dia da Independência, ao invés do patriotismo passivo das arquibancadas, por todo país muitas pessoas saem de casa para participar do grito por um patriotismo vivo e ativo. O objetivo é fazer desfilar pelas ruas, à plena luz do dia, um Brasil que muitos brasileiros não querem conhecer. Denunciar, ademais, os mandos e desmandos de um governo turbulento e indiferente aos males que se abatem sobre os ombros dos próprios cidadãos. Ao mesmo tempo, cobrar das autoridades medidas que possam incluir o maior número de cidadãos como protagonistas do próprio destino.
*Padre José Alfredo Gonçalves é vice-presidente do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), entidade que integra a Coordenação Nacional do Grito dos/as Excluídos/as.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.