Pegasus e a indústria da espionagem israelense no Brasil – Por Bruno Rocha Lima

“Justiça seja feita” (perdão pelo trocadilho), o influenciador digital que atende pela alcunha de “Carluxo” não foi o primeiro expoente da extrema direita a tentar adquirir no Brasil o sistema de espionagem

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Por Bruno Rocha Lima *

Se há algo que a entidade sionista sabe fazer é lobby, internalizando seus interesses e associando-se aos setores mais retrógrados das sociedades ocidentalizadas. Outra forma de estar presente na política doméstica desses países é fazer parte de cadeias de valor estratégico, preferencialmente na área de segurança. É o caso do sistema Pegasus, desenvolvido pela empresa israelense NSO, mas de capital aberto e, atualmente, sob o controle de um fundo especulativo inglês, o Novalpina.

Tal e qual no comércio de armas, tanto as de porte como os sistemas de armamentos (muito sofisticados e caros), a espionagem eletrônica e cibernética oferece uma vantagem comparativa grande para quem a detêm. Isto implica em deter os códigos fonte, compartilhar com sistemas de inteligência de sinais (sigint na sigla em inglês) de “países amigos” (como o Sistema Cinco Olhos) e ter a capacidade de oferecer uma condição única para os “clientes”. Quem compra um sistema sofisticado, torna vulneráveis os possíveis alvos de vigilância e investigação. Ao mesmo tempo, tem sua vulnerabilidade exposta pelos vendedores. Cláusulas contratuais podem dificultar a invasão dos sistemas dos países e instituições compradoras, mas, tecnicamente, nenhuma legislação internacional incide sobre a vontade dos Estados detentores de tecnologia.

Sempre foi assim. O custo da soberania é criar alianças sólidas e ao mesmo tempo ter o desenvolvimento de conhecimento sensível e estratégico como uma das prioridades permanentes. No caso da empresa NSO, é evidente que a eleição da extrema direita sionista com Jair Bolsonaro em 2018 abriu ainda mais espaços para essa atuação “comercial” .

Um exemplo dessa aproximação foi o pregão eletrônico No. 3/21, iniciado em 19 de maio de 2021. Na ocasião, a representante da NSO no Brasil abandonou a licitação (com índice de menor preço) após suspeitas de que o sistema de vigilância poderia estar vinculado com a estrutura de uma “ABIN PARALELA”, controlada diretamente pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (do partido Republicanos, legenda diretamente ligada ao neopentecostalismosionista). O filho “02” do presidente foi acusado de ter afastado o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a própria Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) da licitação, da qual o representante da NSO se retirou por denúncias desse envolvimento, através de reportagem do portal UOL.

Se levarmos em conta as relações muito próximas e de apoio incondicional da família Bolsonaro ao apartheid na Palestina Ocupada, também tendo em consideração as furtivas viagens para o Estado de Israel, qualquer hipótese pode ser considerada válida. “Justiça seja feita” (perdão pelo trocadilho), o influenciador digital que atende pela alcunha de “Carluxo” não foi o primeiro expoente da extrema direita a tentar adquirir no Brasil o sistema de espionagem. Através das trocas de mensagens entre membros da Força Tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, que resultou na Operação Spoofing, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi informado da tentativa de aquisição de alguns sistemas de espionagem por parte dos procuradores federais, incluindo o famigerado Pegasus. Embora o Ministério Público Federal tenha negado a tentativa de compra do software, o conteúdo das mensagens está sob segredo de Justiça, então o que temos é mais um choque de versões, típica manobra de desinformação. No caso da empresa sionista, a NSO nega o uso indevido, e afirma se dedicar a auxiliar Estados e órgãos de repressão a “combater terroristas e criminosos”.

Mais do que sondagens, a Força Tarefa em Curitiba teria feito ao menos uma reunião com o representante da empresa de espionagem e obtido, junto aos colegas do Rio de Janeiro, um modus operandi para fazer a compra sem licitação. De acordo com o Consultor Jurídico, citando petição da equipe de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

“A operação lava jato teve contato com diversas armas de espionagem cibernética, incluindo o Pegasus. Numa conversa no chat do grupo de procuradores em 31 de janeiro de 2018, é citada uma reunião entre os membros da ‘lava jato’ do Rio de Janeiro, de Curitiba e representantes de uma empresa israelense que vendia uma ‘solução tecnológica’ que ‘invade celulares em tempo real (permite ver a localização etc)’.

O equipamento seria adquirido através de multa, como parte do acórdão de delação premiada. Assim foi feito na força tarefa fluminense e no Paraná, o bunker seria instalado justamente na sala do procurador federal Deltan Dallagnol.

A presença da NSO é mais próxima do que se imagina. Na visita de 136 militares israelenses à área da tragédia de Brumadinho, estavam Shalev Hulio, CEO da NSO Group e o executivo da NSO Group Marcelo Comité, o mesmo que retirou a proposta do pregão eletrônico. Na reportagem de Bruno Abbud para a revista Época, consta que houve a possibilidade real de aquisição do Pegasus no segundo semestre de 2018, em plena campanha presidencial. O sistema havia sido oferecido para a Polícia Federal pelo valor de 2,7 milhões de dólares e as tratativas incluíam a Procuradoria Geral da República, demandando uma versão com o software de interceptação passível de ser auditado, para ter validade em processos judiciais. O momento era outro, ainda no auge do “lavajatismo” e antes do ex-juiz Sergio Fernando Moro aceitar o convite para tornar-se ministro da Justiça do recém eleito Jair Messias Bolsonaro. O programa espião não chegou a ser adquirido em nenhuma circunstância, mas a possibilidade foi bem concreta em ao menos três ocasiões já aqui citadas.

Economia de guerra e influência das empresas do Apartheid na Palestina Ocupada

A NSO não é exceção no complexo de economia de guerra e espionagem da entidade sionista. A matéria de Abbud também revela esse vínculo óbvio a NSO Group, que leva no nome as iniciais de seus donos — os israelenses Niv Carmi, Shalev Hulio e Omri Lavie…No início, o conselho diretor da companhia incluía um lendário general israelense, Avigdor Ben-Gal, morto em 2016”. No aparelho do Estado colonial, reservistas com vocação empresarial contratam “estrelas” das Forças de “Defesa” de Israel para operar como relações públicas, ou abre portas em contratos que necessariamente passam pelos ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.

Consultando o site Who Profits (quem lucra), que denuncia o lucro empresarial de conglomerados econômicos com a ocupação da Cisjordânia, listamos nove dessas empresas provedoras de “serviços de segurança”. Considerando que se trata de evidente violação do direito internacional (e nem isso impede essas companhias de serem contratadas e pagas com remessas de dinheiro vindo de vários países, incluindo os EUA), o que dirá em se tratando de contratos diretos com Estados e instituições legais?

No Brasil não é diferente, denominando como “eficiência” a associação da capacidade de Israel em invadir territórios, expulsar populações inteiras e ameaçar toda uma região. Imagino se as forças policiais, de inteligência e militares da África do Sul do apartheid teriam essa mesma presença já que eram “tão eficientes quanto as israelenses”. A “diferença” é na apreciação, com o lobby sionista operando através da opinião pública, ajudando a influenciar em compras de governo e convênios com o aparato de defesa e coercitivo brasileiro.

Mudar essa correlação e varrer tamanho dano de nossa sociedade é dever de cada brimo e cada brima, dentre os mais de 16 milhões de árabe-descendentes que somos!

Artigo originalmente publicado no Monitor do Oriente Médio (www.monitordooriente.com)

*Bruno Lima Rocha é pós-doutorando em economia política, doutor em ciência política e professor universitário nos cursos de Relações Internacionais, Jornalismo e Direito. Editor dos canais do “Estratégia & Análise, a análise política para a esquerda mais à esquerda”.

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