Por Egberto Gaspar de Moura e Tatiane Alves *
Na última semana a sociedade foi surpreendida com a publicação em Diário Oficial de um projeto de Lei de autoria de um deputado estadual do PSL-RJ, dispondo sobre a extinção da Uerj e a transferência de todo seu patrimônio para o setor privado da educação.
Isso aconteceu logo após o atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, defender publicamente a restrição do acesso à universidade, defendendo que esta seja para poucos. Na alçada do ministro da Educação, em maio deste ano, a reitoria da UFRJ denunciou o bloqueio de recursos para instituição e informou à sociedade sobre o risco de fechar as portas, justamente quando a UFRJ completa 100 anos de serviços prestados para o Brasil.
É a política do falecimento da política, do elogio do fim, numa concepção bizarra segundo a qual a morte das instituições democráticas possui dimensão orgânica. Todos os dias atualizam-se as iniciativas de aniquilação de bens e serviços, especialmente os de educação e cultura, numa produção irracional de negação e naturalização do não acesso ao direito.
Essa estratégia possui uma estética própria, é a política do corredor, das trocas de favores, das intrigas e, sobretudo, da servidão ao dinheiro. Prevalece a famosa “Lei de Gerson”, na qual a ação é “individualista”, “fulanizada”, buscando tirar vantagem de tudo. Nesse caso, em particular, entregando de mão beijada um patrimônio do povo do Rio de Janeiro às corporações do ensino privado.
Não obstante a solidez das instituições públicas de Educação Superior, a proposta de extinção da UERJ tem o privatismo como pedra angular, assim como a noção de “para poucos” do atual ministro deixa evidente sua visão elitista, conservadora e excludente, inclusive quando se refere à acertada política de inclusão das crianças com deficiência, que ele pejorativamente chama de inclusivismo. Assim, para o bolsonarismo, transformação social e redução de desigualdades não são valores, mas sim antivalores e isso tem um significado histórico que não se pode subestimar.
O resultado deste jogo às avessas é a restauração de um tipo de “capitalismo selvagem” com inclinações para o fundamentalismo, o racismo e a discriminação. Na prática se alimentam do aumento exponencial da pobreza, valendo-se de mecanismos de manipulação da verdade, mantendo sempre o horizonte na submissão aos interesses privados.
A política da não-política se conforma na naturalização de uma federação de diversificados interesses pessoais, cujo programa de governo se resume a administrar (muito mal) o existente, buscando sempre a restrição. Fim das universidades, fim dos mecanismos de proteção ambiental, fim dos mecanismos de ampliação da cultura. Ou seja, dentro da pseudofilosofia olavista de destruição cultural, a qual não está associada a qualquer projeto de construção.
Malgrado seus efeitos, o bolsonarismo não é um consenso. As universidades e a educação pública seguem resistindo e nesse momento e especialmente cumprem o papel estratégico de promover e ampliar o pensamento crítico que leve a sociedade a outros patamares da agenda pública, reafirmando a pauta dos direitos sociais. A universidade é o lugar da produção de conhecimento científico, da ciência e da reflexão embasada, além disso, é uma instituição redistributiva, pois cria, principalmente com a política de cotas, condições objetivas de colocação de jovens de todas as classes no mercado de trabalho. Por tudo isso ela é tida como inimiga do bolsonarismo.
Felizmente, esse projeto de lei está destinado à lata de lixo da Alerj, mas temos que estar vigilantes e tomar como tarefa o desafio de nos contrapor, de colaborar para reinventar a ação política no seu sentido mais clássico da palavra, como na Grécia Antiga dos assuntos da cidade/pólis, reafirmando aquilo que é interesse legítimo de cada um e de todos como cidadania, superando a apatia que os absurdos e a estupidez recorrentes no âmbito da ideia da não-política podem provocar.
*Egberto Gaspar de Moura é professor titular da Uerj e diretor do Centro de Estudos Estratégicos e Desenvolvimento da Uerj.
*Tatiane Alves é professora associada da Uerj e diretora adjunta do Centro de Estudos Estratégicos e Desenvolvimento da Uerj.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.