Por um programa que dê dignidade menstrual às mulheres de SP – Por Juliana Cardoso

É fato que o debate sobre pobreza menstrual tem sido abordado desde as escolas, uma vez que as pesquisas sobre o tema se focaram nas meninas dessa idade. Mas o problema não afeta exclusivamente as estudantes

Foto: Assembleia Legislativa do Espírito SantoCréditos: Assembleia Legislativa do Espírito Santo
Escrito en DEBATES el

Por Juliana Cardoso *

A visibilidade nacional que o tema da pobreza menstrual ganhou recentemente, com a reportagem do Fantástico no início de maio, parece ter sensibilizado o governador João Doria e o prefeito Ricardo Nunes, em São Paulo.

Foi aprovada em primeira votação, na Câmara Municipal da capital, na semana passada, o PL 388/2021, que institui o programa de cuidados com as estudantes nas escolas da rede municipal de ensino. A iniciativa tem como finalidade distribuir kits de higiene – absorventes internos e externos, dentre outros produtos – para as estudantes que precisem nas escolas municipais.

A iniciativa de Nunes ocorreu poucos dias depois da ação do governador João Doria que, no dia 14, anunciou o programa Dignidade Íntima, prevendo investimento de R$ 30 milhões a serem repassados às escolas por meio do programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).

Há que se reconhecer como positiva a sensibilidade dos gestores para o tema. Mas vale lembrar que não é recente que coletivos de mulheres e outras organizações problematizam o não acesso das mulheres aos itens de higiene menstrual. É muito conhecida entre nós a situação de mulheres encarceradas, ou de mulheres em situação de rua, que são públicos não contemplados em nenhuma dessas iniciativas. Pelo menos desde 2004 a ONU reconheceu o direito à higiene menstrual como uma questão de direitos humanos e saúde pública.

Ainda que positivas, as iniciativas carecem de aperfeiçoamento e ampliação. No que se refere especificamente à proposta do prefeito, o programa proposto pode ser compreendido como a autorização para que as escolas usem o Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF) para compra de itens de higiene menstrual a serem distribuídos para alunas das unidades de saúde.

Na forma em que a proposta foi apresentada, não está claro se a prefeitura aportará recursos extras ao PTRF, ou se as escolas terão que resolver a questão com o que recebem atualmente para dar conta de mais essa demanda.

Importante dizer que os recursos do PTRF são distribuídos a cada unidade educacional para reparos, compra de materiais necessários às aulas, entre outras necessidades que precisam ser adquiridas diretamente pela escola. Assim, se não houver aumento desses recursos, gestores escolares terão que enfrentar dilemas como ter que escolher entre a troca de torneiras nos banheiros ou garantir os kits higiênicos para as alunas.

Outra questão é que se corre o risco de que a distribuição dos kits não se dê de forma equânime entre as unidades de ensino no município. Poderemos ter casos de escolas que distribuam kits completos – que podem incluir itens de higiene para além dos itens de higiene menstrual – e outras que mal tenham recursos para compra de absorventes externos. Essa situação criará diferentes níveis de acesso dentro da rede municipal de ensino o que não nos parece justo e tampouco adequado ao objetivo a que se propõe o programa.

Outro ponto importante que precisa ser discutido é que ficará a cargo das escolas a orientação das alunas acerca de cuidados com a saúde e higiene menstrual. O correto aqui seria envolver as equipes das UBS de referência de cada unidade educacional, por meio de programas que já existem, como o Saúde na Escola e a Caderneta de Saúde da Adolescente, uma das muitas ações em saúde voltadas para este público.

Enfrentar o não acesso das adolescentes e jovens aos produtos de higiene menstrual deve ser apenas uma das ações deste programa, que para alcançar resultados satisfatórios precisa ser desempenhado em articulação com a Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, é necessário garantir ampliação de recursos destinados especificamente para compras desses kits, a fim de assegurar a equidade de acesso aos itens por todas as alunas da rede municipal de ensino da cidade de São Paulo.

UNIVERSALIZAR ACESSO E GERAR RENDA

É fato que o debate sobre a pobreza menstrual tem sido abordado desde as escolas, uma vez que as pesquisas mais recentes sobre o tema se focaram nas meninas em idade escolar. Mas o problema não afeta exclusivamente as estudantes.

A crise econômica e o desemprego, agravados pela pandemia, impactaram o poder de compra das famílias. E vale lembrar o número significativo de mulheres que chefiam os seus lares. Com o orçamento mais apertado, e os altos preços desses produtos, o acesso aos absorventes é afetado. Outro público que precisa ser contemplado por uma política de acesso aos kits de higiene são as mulheres em situação de rua, ou na rua, e as mulheres encarceradas – estas últimas deveriam receber especial atenção do governador João Doria.

Para lidar com essa questão, é necessário que o poder executivo municipal considere ampliar o programa numa perspectiva de universalizar o acesso aos produtos de higiene pessoal femininos.

Por isso, protocolamos no final de maio deste ano o PL que autoriza o Executivo a instituir na cidade o Programa de Amparo ao Ciclo Menstrual (PL331/2021).

A proposta foi construída com grupos de mulheres na cidade que estão debatendo e promovendo ações para o enfrentamento à questão do não acesso a produtos de higiene menstrual.

Uma premissa que consideramos fundamental nessa proposta é a universalização do acesso aos produtos de higiene menstrual. Universalizar o acesso é incluir entre as beneficiárias dos programas todas as mulheres em situação de vulnerabilidade na cidade.

Para isso, é necessário incluir na distribuição, além das unidades educacionais, as unidades de saúde e serviços socioassistenciais, como proposto em nosso projeto, que também prevê a distribuição de absorventes nos terminais de ônibus.

Outra premissa importante é a promoção da autonomia econômica das mulheres por meio do fomento de cooperativas ou microempreendimentos individuais de mulheres para a fabricação de absorventes sustentáveis, com garantia de compra pela Prefeitura.

Compreendemos que enfrentar os impactos da pobreza menstrual entre as meninas e mulheres na cidade de São Paulo pode e deve ser uma oportunidade para geração de emprego e renda para este público, tão afetado pela atual crise econômica.

Na cidade de São Paulo já existem grupos de mulheres com condições de produção de absorventes sustentáveis que podem servir de inspiração para o fomento de outros grupos. A garantia de compra pelo poder Executivo é importante para a viabilidade desses empreendimentos e já tivemos bons exemplos de como políticas desse tipo funcionam.

Além disso, existem outros projetos tramitando na Câmara que abordam o tema da pobreza menstrual no sentido de erradicá-la da nossa cidade. É preciso que o prefeito tome conhecimento do que é proposto pelas mulheres para as mulheres, e deste modo, a partir de reflexões coletivas que apontam para ações transversais, encontrarmos juntes as soluções para que os ciclos menstruais de todas as mulheres possam ser experimentados de forma plena e digna.

*Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo e integrante da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.