Por Vagner Marques *
Segundo a Organização das Nações Unidas, existem atualmente 193 países no mundo e quase todos eles foram diretamente afetados pela pandemia do novo coronavírus; há registros de infecções e óbitos em todos os continentes. Desse modo, o problema é global e seus efeitos são devastadores. Até o momento, quase 200 milhões de pessoas foram infectadas e perto de 4 milhões morreram em todo o mundo.
Mesmo presente em todo o globo, em alguns países os efeitos da pandemia foram mais danosos e o número de mortos e infecções alcançaram marcas negativas. A ineficácia política e o imaginário negacionista do real estado das coisas, são alguns dos elementos que justificam a perda do controle da pandemia na Índia, Estados Unidos e, principalmente, no Brasil.
Estados Unidos, Índia e Brasil, somados, representam mais de 30% no número de mortes e quase 50% de todas as infecções por Covid-19. Entretanto, na terra do Tio Sam, a entrada de Joe Biden na presidência dos EUA foi fundamental para diminuir o número de óbitos, infecções diárias e acelerar o programa de imunização em massa, responsável pela recuperação das atividades econômicas e a desobrigatoriedade do uso de máscaras em espaços públicos.
Em sua posse, Biden assumiu o compromisso de vacinar 100 milhões de pessoas nos 100 primeiros dias do mandato, a meta foi completada no 58º dia; com um programa de vacinação de 2,5 milhões de pessoas por dia, até o momento, mais de 300 milhões de pessoas foram vacinadas, segundo o Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos. Assim, mais da metade da população estadunidense foi imunizada nas duas doses, o que permitiu a flexibilização das atividades econômicas, a desobrigação do uso de máscaras em espaços públicos e a retomada das atividades comerciais, escolares, entre outras.
Até o dia 9 de junho desse ano, o Brasil aplicou a primeira dose da vacina em apenas 23% da população, ocupando a 72º posição dos países que mais vacinaram no mundo. Quando pensamos no continente americano, ocupamos a 15º posição na imunização da população, uma posição muito aquém para um país que já foi considerado o modelo de imunização no mundo.
Considerando a aplicação das duas doses, apenas 11,4% da população brasileira foi imunizada, comparado aos demais países, o Brasil ocupa a 74º posição no mundo e 18º no continente americano. Ou seja, estamos muito distantes do efetivo avanço da vacinação da população brasileira.
Em face desse cenário de baixa imunização e da escolha do governo federal em acenar com o negacionismo e ignorar o real estado das coisas, o Brasil alcançou a triste marca de MEIO MILHÃO de mortos por Covid-19. Nenhuma outra causa matou tantos brasileiros e brasileiras em tão pouco tempo como o novo coronavírus.
Assistimos inertes à banalização da morte, enquanto a vacina, a conta-gotas, dá lentos sinais de esperança. Mas devemos questionar: quem é são os culpados por tantas mortes e pelo descontrole da pandemia? Quem é o responsável pelo real estado das coisas? Quem deve ser culpado pelo descontrole do número de mortes no Brasil?
A pandemia descortinou o lado mais cruel do atual cenário das instituições e da política brasileira, e o número de mortos que a cada dia não para crescer, demonstra o descontrole do vírus e a barbárie de um governo que escolheu não apresentar nenhum apreço pela vida humana. Ao contrário, brinca com o vírus, organiza deliberadamente aglomerações, indica remédios sem comprovação de eficácia científica e banaliza a morte.
Diversos países afetados pela pandemia demonstraram sinais vitória com a vacinação em massa de sua população e medidas mais restritivas, aos poucos retomam a vida anterior ao caos. Israel, Estados Unidos e Inglaterra são exemplos de que é possível vencer o coronavírus e que a responsabilidade política e fortalecimento das instituições são fundamentais para a retomada da normalidade. Entretanto, no lado de cá do Atlântico, em terras tupiniquins, por escolha política de um governo que optou pelo negacionismo, caminhamos na contramão do mundo e assistimos anestesiados o vírus ceifar meio milhão de vidas. Até quando vamos suportar tudo isso passivamente? Em qual momento iremos dizer CHEGA?
Falta pouco para assumirmos a dianteira no número de mortes no mundo e estamos caminhando para isso. No desenrolar das coisas, em pouco tempo iremos assegurar a medalha de ouro da vergonha e do genocídio da população brasileira.
É necessário nos perguntar sobre os reais responsáveis pelo descontrole da pandemia, os verdadeiros culpados pela falta de vacina, pela crise de oxigênio em Manaus, pela falta de assistência aos estados e municípios, pelaa ausência de uma política centralizada no combate a pandemia, pautada nas pesquisas médicas e no compromisso da ciência. É preciso responsabilizar aqueles que escolheram não efetuar a compra das vacinas e indicaram intencionalmente o uso de medicamentos sem comprovação de eficácia científica.
Quem de fato é responsável pelo descontrole da pandemia no Brasil? Quem deve assinar o livro da culpa e ser responsabilizado pelo atual estado de caos?
O governo sob a liderança de Jair Bolsonaro é diretamente responsável pelo descontrole do avanço do vírus e do crescente número de infecções e óbitos. A pandemia iniciou no segundo ano de seu governo, e até o momento, quatro ministros ocuparam a pasta do Ministério da Saúde. Nenhum deles conseguiu sensibilizar Bolsonaro sobre o grave cenário que o mundo atravessa. Bolsonaro escolheu negar a ciência, escolheu não comprar as vacinas, escolheu indicar medicação sem comprovação de eficácia, escolheu organizar deliberadamente aglomerações, escolheu não usar máscaras em suas atividades, escolheu minimizar a pandemia e escolheu negar o real estado das coisas. Foram escolhas!
Bolsonaro pisa sobre os túmulos dos mortos com sua bota de militar debochando das vidas daqueles que se foram, seus gestos são sinais de uma perversidade difícil de assistir e a população padece diante de um governo que decidiu brincar com a vida de seus cidadãos.
A Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar as responsabilidades do governo na condução da pandemia convocou ex-ministros, médicos e atores diversos, e desde o início de seus trabalhos demonstrou a responsabilidade do governo pelo descontrole do novo coronavírus em nosso país. Diante das investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito e das diversas demonstrações de escolhas negligentes, Bolsonaro é culpado.
Bolsonaro é culpado porque foi provado que o governo recebeu em agosto de 2020 ONZE e-mails do laboratório Pfizer oferecendo ao Brasil 70 milhões de doses da vacina, mas NINGUÉM DO GOVERNO RESPONDEU NENHUM dos e-mails. Foi uma escolha não responder aos e-mails da Pfizer.
Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República, disse que uma carta da Pfizer questionando o governo brasileiro sobre o interesse na aquisição de compra de vacinas ficou dois meses sem respostas. E Carlos Murillo, da Pfizer, confirmou o envio da carta e relatou ainda que a farmacêutica tentou por seis vezes, sem sucesso, vender o imunizante ao governo brasileiro.
O governo escolheu não comprar os imunizantes, escolheu colocar a população à própria sorte, escolheu deixar a população vulnerável e exposta ao vírus. Sem vacinas, o governo jogou com a população, teatralizou o caos, minimizou os impactos e fez da crise da pandemia seu espetáculo da barbárie.
Bolsonaro é culpado porque desautorizou em outubro de 2020 a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, mesmo após o anuncio da compra realizado pelo ex-ministro Pazuello.
Bolsonaro é culpado por que montou em seu governo um suposto “aconselhamento paralelo” na gestão da pandemia. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, participava das reuniões, sem nenhuma autoridade técnica para contribuir na condução do país no combate da pandemia. O ex-ministro Mandetta relatou que o governo federal recebia uma “assessoramento paralelo” ao do Ministério da Saúde no combate à pandemia e que as orientações desse gabinete iam na contramão das recomendações técnicas da pasta.
Bolsonaro é culpado porque foi provado que houve a tentativa de mudar a bula da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para tratamento para Covid-19, mas defendido publicamente pelo presidente. O ex-ministro Mandetta afirmou a tentativa do governo federal em alterar da bula para tratamento da Covid.
Bolsonaro é culpado porque o Ministério da Saúde soube no dia 7 de janeiro de 2021 sobre a falta de oxigênio no Amazonas. Mas o Ministério da Saúde escolheu não fazer nada e a consequência dessa escolha foi a morte de diversas pessoas.
Bolsonaro é culpado porque diante do grave quadro da pandemia escolhe organizar aglomerações, escolhe andar sem máscara e incentiva o fim do uso de máscara.
Bolsonaro é culpado porque diante do cenário que estamos vivendo, escolheu não demonstrar compaixão, sensibilidade e afeto às vidas. Ao contrário, suas falas são cruéis, perversas e uma clara demonstração de indiferença. Quando perguntado sobre o aumento do número de mortes, ele afirmou “Eu não sou coveiro”.
Bolsonaro escolheu não prestar solidariedade às vítimas e demonstrar compaixão as famílias que perderam seus entes queridos durante a pandemia.
Sua insistência com a cloroquina tornou uma obsessão, a ponto de afirmar “Há 40 dias venho falando do uso da hidroxicloroquina no tratamento do Covid-19. Cada vez mais o uso da cloroquina se apresenta como algo eficaz”. Essa eficácia foi descartada por todos os organismos de saúde do mundo, mas no lado de cá, o obscurantismo tem mais força que a ciência.
Seu desprezo pela vida é tamanho que chegou a afirmar “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. É a vida. Você não pode parar uma fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas todos os anos”. Ele não se preocupa com meio milhão de mortos e esses números não o sensibilizam em nada.
Seu delírio é tamanho que Bolsonaro não acredita no que estamos vivendo, ele alimenta o imaginário de perseguição, de dúvida dos organismos de pesquisa e incita a população na ideia de que os dados são mentirosos, mas chegamos a meio milhão de mortos e isso sim é real.
Chega ser vergonhoso um chefe de estado ter um comportamento semelhante a esse, mas, esse é Bolsonaro, o presidente do Brasil que afirmou: “O povo foi enganado esse tempo todo sobre o vírus [...] O pânico é uma doença e isso foi massificado quase que no mundo todo e no Brasil não foi diferente [...] O brasileiro tem de ser estudado, não pega nada. O cara pula em esgoto, sai, mergulha e não acontece nada”.
Sua escolha em negar os fatos faz com que ele jogue com a população, sinalizando que estamos diante de algo comum e não atravessando uma pandemia que ceifou a vida de meio milhão de pessoas. Bolsonaro não acredita que estamos diante do maior problema do século e o mais devastador do milênio; sua incapacidade de dimensão é tamanha que se comporta como alguém que não tem a menor noção da realidade. Ao contrário, ele minimiza os fatos e diz que o problema que vivemos é uma certa histeria: “O que está errado é a histeria, como se fosse o fim do mundo. Uma nação como o Brasil só estará livre quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”.
Por fim, fica claro que Bolsonaro escolheu acreditar que não estamos diante de uma pandemia, de uma crise global, muito menos conhece seus impactos, seu imaginário é tão nefasto que chegou afirmar “Muito do que falam é fantasia, isso não é crise”. A sua capacidade de ler a realidade é comprometida e perversa.
Fantasia é tê-lo como presidente no momento mais delicado da história do país. Os 500 mil mortos em decorrência da Covid-19 é uma preocupação minha e de muitos leitores, menos de Bolsonaro e de seus correligionários.
Por essas escolhas na condução do país na pandemia, Bolsonaro é culpado sim! Agora nos cabe a pergunta. O que faremos com ele?
*Vagner Aparecido Marques é professor universitário, historiador, doutor em História Social e mestre em Ciências da Religião, ambos pela PUC-SP.
Instagram: @profvagnermarques
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.