Por Mário Maurici *
O cenário é o pior possível. Aumento da inflação com impacto nos mais pobres, auxílio emergencial residual, descontrole sanitário em meio a pandemia do coronavírus e desemprego em alta. Desta combinação de fatores, a mudança no perfil dos moradores de rua é um indicador significativo das trágicas consequências da atual crise para a camada mais pobre da população. Se antes a maioria dos sem-teto era formada por homens, solteiros e usuários de drogas, hoje o contingente de pessoas desabrigadas espalhado pelas ruas da cidade de São Paulo é composto por famílias, muitas apenas com mulheres e crianças. Portanto, a precariedade social e econômica dos mais vulneráveis exige cada vez mais medidas urgentes e efetivas no curto prazo.
Uma delas, com significativo impacto assim que adotada, é a sanção do projeto 146/2020, de minha autoria em parceria com Leci Brandão (PC do B) e Dr. Jorge do Carmo (PT), que suspende os despejos no estado de São Paulo durante a pandemia de Covid-19. A iniciativa foi aprovada semana passada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e aguarda a assinatura do governador João Doria (PSDB).
Iniciativa semelhante foi tomada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A suspensão temporária dos mandatos de reintegração de posse, despejo e remoções judiciais ou extrajudiciais já foi recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Conselho Nacional de Saúde e pelo próprio Supremo Tribunal Federal. É de se estranhar que não tenhamos aprovado antes a medida na Assembleia Legislativa. Uma razão a mais para que o governador João Doria sancione sem demora o projeto 146/2020.
Levantamento da campanha Despejo Zero (www.campanhadespejozero.org) aponta que 14.301 mil famílias brasileiras foram removidas de suas casas desde o início da pandemia. No estado de São Paulo foram 3.970. Em todo país, mais de 84 mil famílias estão ameaçadas de remoção – 34.450 só em São Paulo. O Despejo Zero identificou 54 casos de suspensão de despejos no país (17 em São Paulo), o que significa 7.356 famílias que não estão na rua por ora, mas cujas ações podem ser retomadas a qualquer momento.
No primeiro trimestre de 2021 o número de ações com pedido de despejo aumentou quase 80% no estado de São Paulo. O Tribunal de Justiça de São Paulo registrou 8.417 ações de despejo nos primeiros três meses deste ano. No mesmo período de 2020, foram 4.696 ações. Só em março foram 3.432 remoções. Cada ação dessa significa uma família que perde o lar num momento em que o auxílio emergencial do governo federal é exíguo e a pandemia segue com altos patamares de contaminação e mortes.
Mas a questão da vulnerabilidade social, no que diz respeito ao direito à moradia e à população de rua, vai muito além da imediata medida do despejo zero. Outras perspectivas precisam ser consideradas num cenário complexo por si, e potencializado pela pandemia. Apenas nas ruas da capital, estima-se que hoje vivam mais de 30 mil pessoas.
O aumento dos sem-teto nas grandes cidades, assim como a mudança no perfil dessa população, demanda um outro olhar por parte das políticas públicas. Por exemplo, o tradicional modelo com centros de acolhida foi pensado para homens desacompanhados, com vínculos familiares rompidos. É preciso, então, planejar espaços de acolhimento para núcleos familiares, inclusive com seus animais de estimação. Estima-se que hoje em dia pelo menos 50% dos lares tenham um ou mais animais de estimação. São as chamadas famílias multiespécies, formadas por humanos e seus pets numa nova realidade afetiva.
Uma nova realidade afetiva que também tem seu lado negativo. Durante a pandemia, a ONG Amparo Animal anunciou um aumento de 70% no número de animais abandonados. Apesar de um crescimento no número de adoções no início da crise sanitária, as dificuldades financeiras, mortes e outras dificuldades levaram muitas pessoas a desistir de seus bichos. Espera-se que o governador João Doria seja tão sensível com o problema dos despejos em São Paulo como foi na viabilização da vacina contra o Covid-19. Afinal, motivos para não faltam para suspender, e rápido, os despejos em São Paulo.
*Mário Maurici é deputado estadual pelo PT-SP, foi vice-presidente da EBC, vereador, prefeito de Franco da Rocha, presidente da Ceagesp e secretário de governo e de comunicação de Santo André.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.